quinta-feira, 31 de março de 2011

Moça Bonita - Geraldo Vandré e Capinan


Moça bonita,
Seu corpo cheira
Ao botão da laranjeira.
Eu também não sei se é
Imagine o desatino
É um cheiro de café
Ou é só cheiro feminino
Ou é só cheiro de mulher.
Moça bonita,
Seu olho brilha
Qual estrela matutina.
Eu também não sei se é
Imagina minha sina
É o brilho puro da fé
Ou é só brilho feminino
Ou é só brilho de mulher
Moça bonita,
Seu beijo pode
Me matar sem compaixão
Eu também não sei se é
Ou pura imaginação
Pra saber, você me dê
Esse beijo assassino
Nos seus braços de mulher.

Dona da Minha Cabeça - Geraldo Azevedo/Fausto Nilo


Dona da minha cabeça ela vem como um carnaval
E toda paixão recomeça, ela é bonita, é demais
Não há um porto seguro, futuro também não há
Mas faz tanta diferença quando ela dança, dança
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita
Digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita
Dona da minha cabeça quero tanto lhe ver chegar
Quero saciar minha sede milhões de vezes, milhões de vezes
Na força dessa beleza é que eu sinto firmeza e paz
Por isso nunca desapareça
Nunca me esqueça, eu não te esqueço jamais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita
Digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Aparição num dia de inverno - Nuno Júdice

Um dia, lendo este poema, lembrar-te-ás: o amor falou através dele. Ouvirás no seu ritmo a voz que tantas vezes desejaste; reconhecerás nos seus versos o corpo que encheu a tua vida; tocarás em cada uma das suas palavras os dedos que te ensinaram a medir os dias pelas suas contas de ternura. E o tempo entrará por ti como esse rio que alagou os campos do inverno. Olharás à tua volta, vendo a desolação de uma paisagem inundada. Algures, porém, uma árvore antiga sobressai; e os seus ramos verdes dar-te-ão a esperança de uma nova primavera, em que voltes a ouvir a voz que o poema te trouxe com os seus dedos de música.

Tempo Fluvial - Nuno Júdice


Se eu definisse o tempo como um rio, a comparação levar-me-ia a tirar-te de dentro da sua água, e a inventar-te uma casa. Poria uma escada encostada à parede, e sentar-te-ias num dos seus degraus, lendo o livro da vida. Dir-te-ia: «Não te apresses: também a água deste rio é vagarosa, como o tempo que os teus dedos suspendem, antes de virar cada página.» Passam as nuvens no céu;  nascem e morrem as flores do campo;  partem e regressam as aves; e tu lês o livro, como se o tempo tivesse parado,  e o rio não corresse pelos teus olhos.

Paradoxo Natural - Nuno Júdice


cactus
Na luz indecisa que deixa adivinhar a manhã, a névoa que impregna o ar desfaz-se quando os dedos de fogo do sol  a limpam, restituindo ao dia a sua transparência. Mas a mulher que ocupa o centro da paisagem não se apercebe da mudança. O seu corpo pertence à terra, e entrega-se ao ritmo subterrâneo das raízes, ouvindo o canto que regula a passagem das estações. Um desejo de sombra apodera-se da sua alma; e conta o tempo que falta para a noite, para se entregar ao silêncio do mundo, no lento eclipse dos sentimentos.

terça-feira, 29 de março de 2011

Mulheres de Atenas - Chico Buarque e Augusto Boal

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem pro seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro se encolhem
Se confortam e se recolhem

Às suas novenas
Serenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas.


BUARQUE, Chico, BOA L, Augusto. In: Chico Buarque – letra e música. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1989. p. 144.

A rosa de Hiroxima - Vinicius de Moraes







Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada 

Amar - Carlos Drummond de Andrade



Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar,desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. 


Fronteira - Nuno Júdice



Pode ser que haja aqui alguém: o vento
trouxe um eco da sua voz, o sol ocultou
a sua sombra, um pássaro saiu espantado
de dentro dos arbustos. Há lugares que
guardam a memória de quem neles
viveu, e o tempo deixa de contar quando
nos aproximamos das imagens que
julgávamos esquecidas. As paredes
em ruína recuperam a sua cor, as
portas há muito fechadas voltam a abrir;
e tu surges, o teu rosto, o teu corpo,
as mãos que seguram o parapeito
como se o jardim ainda existisse,
e no horizonte se desenhasse uma
hipótese de primavera. Depois, volto
a pisar a erva que substituiu as plantas
tratadas nos canteiros, e afasto o lixo
que se acumula junto aos muros, para
voltar atrás, ao dia de hoje, e respirar
a melancolia que nasce desta ausência.

segunda-feira, 28 de março de 2011

O NÃO-RISO EM DOM QUIXOTE - Cacos de ludíbrio do humor


Dom Quixote - Rosana Rocha
“Desejo, por sinal, que você seja triste, não o ano todo, mas apenas um dia
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano”
(Victor Hugo)

Pouco há para se duvidar no fato de que um bom mergulho no humor abre portas de prazer. Divertir-se é apartar-se do inoportuno tédio oriundo da sisudez. Mas, como na inteireza de todo algo há metade de indubitável e metade de questionável, que venha o contraponto num trote de Roncinante. O riso é também no sempre um curioso exercício de disfarce. Um providencial pacto a favor do ócio íntimo. Firmar acordos com o que se acha superficialmente na graça é lenitivo que faz sucumbir essa indesejável e invasiva dor que é o discernimento. Muito se investiga, esmiúça e discute a respeito do que faz rir em uma obra de arte. O que é ludíbrio, entretanto, no mais das vezes voa rumo à distância no vento dos moinhos.
Há mecanismos de humor restritamente criados para fisgar o riso. Satirize-se o ponto fraco, deixe vir a pândega e cumprida está a tarefa. Há, contudo, sofisticados mecanismos de criação artística que são puro ludíbrio de humor. Nesse caso, o que verdadeiramente interessa como resultado para o criador-emissor-da-mensagem não é a fugacidade da resposta ao convite para o rir. O cintilante e engenhoso batente de comicidade que se destaca logo à entrada da obra construída tem apenas a função de desequilibrar o partícipe-receptor-da-mensagem. O intento é fazê-lo cair sem prevenções no concebido. E que nessa queda tudo se quebre, pois o que interessa mesmo como resultado final são os muitos cacos de não-riso que se espalharão pela percepção – consciente ou inconsciente – da “vítima” do desequilíbrio.
Nas artes plásticas, Miró nos despedaça em cacos de não-riso. O que inicialmente parece apenas um lúdico convite ao riso do olhar acaba por se traduzir numa abençoada noção da infinita possibilidade das formas. No teatro brasileiro, Nelson Rodrigues nos estilhaça em cacos de não-riso. A sofrível comicidade suburbana de seus personagens é mera e genial cilada emocional urdida para capturar as platéias de modo indefensável. Já no século XVII, entrementes, o clássico Don Quixote De La Macha, do espanhol Miguel de Cervantes, é primoroso testemunho de ludíbrio do humor.
É surpreendente a extensa camada de leitores que, mesmo tendo atravessado a obra atenta e afetuosamente, apenas a apresentam como um “romance divertidíssimo”. Dom Quixote – como o dizer português rebatizou – é desesperadamente muito mais não-riso do que riso. Sim, Cervantes quer a desatenção primeira provocada pelo “achar engraçado”. Não à toa, já no Prólogo do livro, trata de nos enredar a atenção de forma jocosa:
“Desocupado leitor, não preciso prestar aqui um juramento para que creias que, com toda a minha vontade, quisera que este livro, como filho do entendimento, fosse o mais formoso, o mais galhardo e discreto que se pudesse imaginar (...)”.
O ardil é simples força impulsionadora destinada ao desequilíbrio e a queda. São mãos nas costas do leitor que o lançam ao mais da narração. Desocupado de si mesmo, aquele que começara a ler cai no riso já tendo caído no abismo em que o autor espera proporcionar o esfacelamento do próprio riso.
Eis, desta feita, uma missão digna dos mais bravos cavaleiros do discernir: sentar-se à borda de cada página de Dom Quixote e catar os cacos de não-riso produzidos no entender. Inevitável será iniciar tal cruzada por outro caminho que não o da observação da construção imagética dos personagens. No princípio da leitura, a triste figura de Quixote parece querer nos impelir a um superficial e desatento riso de lástima.
“(...) que podia, portanto, o meu engenho, estéril e mal cultivado, produzir neste mundo, senão a história de um filho magro, seco e enrugado, caprichoso e cheio de pensamentos vários, e nunca imaginados de outra alguma pessoa?(...)”.
A acentuada magreza e todo o mais da decadência física do herói deixam logo claro o insucesso. E reza o crer comum que o insucesso não merece ser levado a sério.
Contentar-se com o riso dessa impressão é não se deixar ferir pelo caco do não-riso no qual cintila a compreensão de que a fragilidade é gene universal. Está no ser de qualquer ser, seja sua compleição qual for. Há magreza, secura e enrugamento na figura de toda a raça humana. A armadura com que Cervantes reveste o patético Quixote desnuda todo leitor em todo tempo e lugar.
A curiosa oposição que a fisionomia de Sancho Pança faz a do protagonista pressupõe logo de pronto um divertido jogo de antítese. O contraste para o mirrado só pode ser o avolumado. A imagem que contraria o alto só pode ser a do baixo. A constatação desses elementos induz ao sorriso ocre do sarcasmo. Há não-riso, porém, no perceber que o paralelismo estético é a mais evidente tradução da completa pluralidade da existência. Tudo só é tudo por ser constituído de muitos.
Aprofundar a queda com destino à psique dos personagens principais é ação ainda melhor que se manter sentado à borda do livro. Nada, então, impedirá o choque provocado pelo desabamento sobre os desvarios do personagem-título. Quão desconcertante é a loucura de Quixote! Nada, todavia, que não se resolva com facilidade. Um bom e infalível reconforto para abrandar esse desconcerto é rir piedosamente da pobre turvação mental do “malfadado” viajante.
Rir da loucura ajuda a enlouquecer a sanidade. Aquele que menospreza o que se supõe insano menos preza as camadas múltiplas de sua pretensa lucidez. O caco de não-riso encontrado nisso talvez seja um dos maiores legados que Cervantes deixou para as letras que vieram depois das suas. Prova tamanha na Literatura Brasileira é o intenso sussurro quixotesco que se ouve por entre as falas e condutas do machadiano Dr. Simão Bacamarte, “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas”.
Ainda no que tange à exposição da instabilidade emocional do Cavaleiro da Triste Figura, há algo que não pode deixar de ser considerado. Cabe especialmente a Sancho Pança o grande papel de agente do ludíbrio do humor. É justamente quando o personagem combate com rudeza e objetividade os devaneios de seu senhor que o autor convence o leitor a aceitar, sorridente, a poesia da loucura.
Somente a genialidade de um grande criador consegue nos seduzir a experimentar o doer do discernimento através do sorrir. A escolha por manter a consciência nesse processo, contudo, é particular.
Que não se compreenda esse texto, porém, como uma cruzada contra a fina sagacidade de se reagir ao cômico. Rir do que nos é proposto a rir é decididamente prova de inteligência. Entretanto, rir quando nos é sugerido o não-riso é sinal de devotada e triste obediência ao pacto com o ócio íntimo. Rir o riso raso é dizer “não eu”. Contudo, ler o silêncio dos cacos de ludíbrio do humor em Dom Quixote significa admitir o auto-reconhecimento ofertado como precioso regalo por Cervantes.
¨*¨
Carlos Correia Santos
Ensaio publicado na conceituada revista ASAS DA PALAVRA, número 20, editada pelo centro de Letras da Universidade da Amazônia (Unama). A publicação foi lançada em 2005, em comemoração aos 400 anos do livro DOM QUIXOTE.

A Carícia Perdida - Alfonsina Storne

Diamantes e Sapatos


Sai-me dos dedos a carícia sem causa,
Sai-me dos dedos... No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?

Elizabeth Taylor e o fim de uma era - André Barcinski















Morreu Elizabeth Taylor. Pensei em postar ontem mesmo sobre Liz, mas, como a Ilustrada me pediu um texto, achei melhor esperar até hoje.
Muita gente escreveu obituários bacanas da atriz, falando de sua importância para o cinema.
Seus muitos casamentos e escândalos pessoais também foram dissecados.
Mas o aspecto da vida e carreira de Liz Taylor que acho mais interessante - mais até que seus filmes - é sua posição como ícone do culto à celebridade.
Elizabeth Taylor praticamente inventou a indústria da fofoca. Todo editor de tablóides e de programas sensacionalistas de TV deveria fazer um altar pra mulher.
Veja bem: quando ela despontou como atriz, logo após a Segunda Guerra, a indústria cultural simplesmente ignorava o público jovem.
Até o surgimento do rock’n’roll, de Elvis e James Dean, um adolescente não tinha ídolos próprios. Filhos curtiam os ídolos de seus pais.
A geração de adolescentes americanos do pós-guerra foi a primeira da história que não precisou trabalhar para ajudar a casa. Isso criou um mercado gigantesco para a diversão jovem.
Liz Taylor cresceu no meio disso.
Ela fez seu primeiro filme aos 9 anos. Sua mãe era uma vampira dominadora, que explorou ao máximo o talento da menina, que aprendeu a se defender muito cedo.
Liz logo sacou que “ser uma estrela” não se limitava apenas às telas de cinema. Era preciso criar uma figura pública tão interessante quanto os personagens de seus filmes.
Ela foi além: sua vida foi um melodrama ainda maior e mais sensacional do que os filmes que protagonizou.
Liz Taylor fez amizade com famosas colunistas de fofoca e criou amplo material para os tablóides sensacionalistas.
Quando seu terceiro marido, Michael Todd, 23 anos mais velho que ela, morreu num acidente de avião, Liz foi consolada por um amigo de Todd, o cantor Eddie Fisher. Não demorou pra ele cair de quatro por ela.
Fisher era marido da atriz Debbie Reynolds, com quem tinha dois filhos (incluindo Carrie, a “Princesa Leia” de “Guerra nas Estrelas”). Ele largou a família para se casar com Liz. O escândalo quase acabou com sua carreira. Liz tinha 26 anos.
Depois, ela abandonou Fisher para ficar com Richard Burton, que também era casado. Os tablóides acompanharam o desenrolar do romance durante as filmagens de “Cleópatra”. Foi um verdadeiro “reality show”, muito antes do Big Brother.
Ao longo dos anos, a opinião pública acompanhou a vida de Liz Taylor como se fosse uma novela mexicana: vários casamentos, internações, overdoses, mais internações, bebedeiras, escândalos, a obsessão por jóias, a amizade com Michael Jackson...
Quase ninguém falava da grande atriz Liz Taylor. Sua vida havia eclipsado sua obra.
Barbra Streisand disse tudo: “Liz Taylor morreu. É o fim de uma era”.
P.S.: Desculpem, mas não posso deixar passar: Muricy, o problema era você!

Despedida - José Luís Peixoto


Beijo de Despedida

As crianças de um ano são pequenas. O mais incrível é que todas as pes­soas que andam pelas ruas, que dão encontrões no metro e que buzinam no trânsito, já tiveram um ano. Todas, todas as pessoas, até o demónio, já tiveram um ano. As crianças de um ano existem agora e existiram sempre. As crianças de um ano têm chupetas e têm babetes, começam a dar os primeiros passos e nós, ao olhá-las, sabemos que demorará pouco até que comecem a correr . As crianças de um ano olham-nos muito sérias. É um milagre quando dizem uma palavra, ou um bocadinho de uma palavra. As crianças de um ano usam bonés quando há sol, têm sandálias nos pés pequenos. Seguram um balde de plástico quando vão para a praia. Olham muito para os outros meninos. Vestimos-lhe calções por cima das fraldas. Quando lhes despimos as camisolas, as crianças de um ano não gostam do momento em que a camisola lhes passa na cabeça, em que o colarinho lhes fica preso na testa. As crianças de um ano são capazes de chutar uma bola, podem mesmo ser capazes de dizer a palavra “bola”. No entanto. as crianças de um ano não são ainda capazes de imaginar o futuro. Esse é um conceito que desconhecem. Podemos dizer-lhes «amanhã acontecerá isto», " elas ouvem, mas «amanhã» será uma palavra estrangeira. Qualquer um daqueles livros que se compra durante a gravidez, ou qualquer um daqueles livros que os pais que dis­põem de tempo compram já depois do nascimento, confirmam isto com gráficos, citações fiáveis e nomes de investigadores, doutores da Califór­nia. O facto de as crianças de um ano não serem capazes de imaginar o futuro é, ao mesmo tempo, o seu conforto e a sua angústia. Se, por um lado, a absoluta ignorância acerca daquilo que lhes irá acontecer é uma ausência feita de protecção; por outro lado, perante uma despedida, as crianças de um ano sofrem sem palavras porque não conseguem conceber o regresso da pessoa que parte. Pode­mos tentar explicar-lhes, dizer «volta já daqui a duas horas», «volta amanhã», «volta na próxima segunda-feira». Podemos tentar muitas coisas sem sentido. Para as crianças de um ano, as despedidas são sempre definitivas.
Quando alguém vai à mercearia, quando sai de manhã para o emprego, as crianças de um ano consideram a sua ausência absoluta. Por um instante ou por instantes alinhados e sucessivos, acreditam que perderam para sempre tudo o que constituía aquela pessoa e que talvez não fosse exprimível por nenhuma palavra, mesmo que possuíssem os vocabulários todos do mundo, mesmo que essas crianças de um ano fossem, por exemplo, o Roland Barthes. Num só dia, as crianças de um ano perdem a mãe muitas vezes, são órfãs muitas vezes. Tudo se transforma em nunca mais, as paredes voltam a ser paredes, a luz que entra pelas janelas ganha silêncio, transforma-se na sua crueldade. Os brinquedos repousam mortos no chão do quarto e no chão da sala. As peças abandonadas de legos transformam-se apenas em peças abandonadas de legos. Noutra hora, foram talvez o início de alguma coisa, duas cores que se juntam, mas deixaram de o ser. Passaram a ser apenas ob­jectos sem utilidade, porque todos os objectos perderam a utilidade, porque todos os objectos caem das mãos perante uma despedida definitiva. O vento, silencioso, toca a pele e é um lamento permanente. As crianças de um ano, dão passos incertos entre aquilo que ficou para trás. Porquê? «Porquê?» é a pergunta que as crianças de um ano não sabem colocar, é a pergunta a que não sabem responder. Tudo aquilo que fez sentido e que foi certo permanece sem explicação, coberto pela falta de explicação. As cores dos objectos mudam porque muda a luz que atravessa o céu, que atravessa o lugar onde as pessoas estão e se encontram umas com as outras e se constroem, em instantes que são como se fossem definitivos. A ausência, no entanto, é capaz de um definitivo maior. É na ausência que as crianças de um ano se apercebem daquilo que acreditaram sem consciência e da forma como essas crenças não faziam sentido, como eram enganadoras. A ausên­cia é feita de chumbo, existe dentro do corpo das crianças de um ano e tem o peso do mundo inteiro por­que tudo aquilo que é tocado pelo olhar ou pela memória é aspirado para o seu interior. Chovem perdas permanentes sobre as crianças de um ano, como se Deus ou o tempo quisessem mostrar-lhes uma verdade cruel, quisessem habituá-las a essa verdade. Mas as crianças de um ano têm olhos grandes e não se habituam a uma tempestade desse tamanho ou, mais correctamente, demorarão muito a habituar-se.
Se te falo de tudo isto é porque esse é, com exactidão, o mesmo medo que sinto quando sais de perto de mim. Nesses momentos, sou sempre soter­rado pela certeza de que nunca mais voltarás. E fico entre os livros desarrumados, entre as pilhas de papéis nos cantos da sala, entre tudo aquilo que pousámos sobre a mesa, ou nas prate­leiras, ou no chão. E sou um náufrago do apocalipse. Sou o último quando já nada interessa e mil prémios perde­ram todo o valor que lhes demos. Eu fui uma criança de um ano, como tu. Se nos tivéssemos encontrado nessa altura, ter-te-ia dado um beijo na face. Os nossos pais ter-se-iam rido e seria uma das nossas gracinhas. Agora, parece-me tão impossível a repetição das nossas horas de adultos como seria a oportunidade de passarmos por esse instante de termos novamente um ano. De qualquer modo, tento viver e, por isso, gostava que soubesses que, com exactidão, é este medo que sinto. Mas já não tenho um ano e, para mim próprio, ainda tenho de obrigar-­me a acreditar que há a possibilidade de leres estas palavras onde estiveres e que há a possibilidade de talvez, talvez, talvez quereres voltar. 

domingo, 27 de março de 2011

Cisne Negro - Folha de São Paulo - Blog

O Cisne Negro da ciência

Divertida reportagem publicada na seção de ciência do "New York Times" nesta semana canta louvores a um seleto grupo: o das estrelas de Hollywood que também são (ou poderiam ter sido) cientistas de mão cheia. Entre elas, destaca-se a deslumbrante, e agora devidamente Oscarizada, Natalie Portman.
Vejam se não é o caso de babar (ainda mais): na adolescência, logo depois de fazer sucesso como a Rainha Amidala da nova trilogia de Star Wars, a moça foi semifinalista do Intel Science Talent Search, concurso para jovens talentos da ciência do qual saíram diversos ganhadores do Nobel. Seu projeto incluía a geração de energia renovável a partir do lixo.
Depois, aceita em Harvard, a moça estudou psicologia e interessou-se por neurociência e pela evolução da mente. Palavras da orientadora de Portman na época:
"Tive o privilégio de ensinar vários garotos brilhantes, mas poucos são tão brilhantes quanto Natalie, têm tantos cavalos de força intelectuais ou trabalham tão duro quanto ela".
Uau.

"Continuo atrás de novas curvas", diz Oscar Niemeyer - Folha de São Paulo

O jornalista Raul Juste Lores visitou o escritório do arquiteto Oscar Niemeyer, 103, em meados de março. Encontrou um homem lúcido, muito falante e com vários novos projetos na prancheta --um aquário submerso, uma catedral grandiosa, um estádio de futebol mais confortável.
"Continuo atrás de novas curvas. Só tem graça continuar trabalhando para fazer prédios que nunca tenham sido pensados", disse o arquiteto.
Seu mix de marxismo e erotismo continua vigente e vivo. Fala, como em tantas entrevistas, de desigualdade social, de comunismo e de seus inabaláveis princípios.
Artistas como o poeta Ferreira Gular e o escritor Milton Hatoum analisam o legado do mestre. A reportagem circula na edição deste domingo (27) da revista Serafina. Aíntegra está disponível para assinantes do jornal e do UOL.
Felipe Hellmeister/.
Oscar Niemeyer em seu escritório em Copacabana, em ensaio para a revista Serafina deste domingo
Oscar Niemeyer em seu escritório em Copacabana, em ensaio para a revista Serafina deste domingo

mas pressentimos no corpo uma espécie de feitiço -Nuno Judice

Eu, sabendo que te amo,
E como as coisas do amor são difíceis,
Preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez uma hipótese
de entendimento.É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.

Nuno Júdice

Crônica - A Arte da Dissimulação - Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida


[...]Nessa linha de pensar, importa consignar que, em razão do conviver, há exemplos vários de dissimulação, utilizadas em nome da elegância, da cordialidade, para preservar uma relação ou, pura e simplesmente, para uma satisfação interior.
Desse tipo de dissimulação, todos nós, em determinado momento, somos protagonistas. Eu sou, tu és, ele é. Somos nós. Uns com arte; outros, nem tanto[...]“.
_________________________________________________
Há pessoas peritas, experts, na arte da dissimulação; outras, nem tanto.
Algumas pessoas, todos percebemos, são tontas. Essas são incapazes de disfarçar. São babacas, tolas. Denunciam-se ao primeiro flagra. Todavia, ainda assim, dissimulam – ou tentam, pelo menos.
Confesso que, apesar dos meus cinquenta e sete anos de experiência, sou facilmente flagrado, quando minto ou quando faço uma bobagem. Se minto ou faço uma travessura, não tenho dificuldades em me “entregar”. Mas, também, como qualquer pessoa, dissimulo, conquanto o faço sem muita convicção. É que sou um dos muitos tolos, semelhante àqueles aos quais fiz referência acima.
A verdade é que sou inábil, incompetente na arte de mentir, de dissimular, conquanto admita que, algumas vezes, me saí até melhor do que esperava. É dizer: fui além da minha capacidade. Contudo, não me ufano por isso.
O meu sucesso nessa “arte”, registre-se, dá-se , apenas, em face da mentira boba, da dissimulação sem resultado danoso, daquelas que não produzem consequências relevantes, das que se mostram necessárias para garantir uma relação, uma amizade, a coabitação, o conviver, o compartilhar.
A vida nos ensina – e nos compele, no mesmo passo – a, diante de determinadas circunstâncias, dissimular. Essa é a mais luminosa verdade. Todos dissimulamos, em determinadas circunstâncias.
Contudo, ter-se-á de convir, dissimula-se para o bem e para o mal.
Exemplo: o roubador, quando pretende assaltar, dissimula. O fingimento do assaltante, não obstante, é para o mal, para pegar a presa desprevenida.
Nós, outros, quando tencionamos nos livrar de um aborrecimento, também dissimulamos; a dissimulação, nesse caso, é necessária e aceitável. Dissimula-se, nessas circunstâncias, sem a perspectiva, sem a pretensão, enfim, de fazer o mal.
O certo é que, para o bem ou para o mal, vivemos dissimulando. Dissimular, muitas vezes, é uma necessidade que flui das relações entre pessoas.
Eu dissimulo, tu dissimulas, ele dissimula – nós dissimulamos, enfim. Essa é a conjugação do verbo.
Nessa linha de pensar, importa consignar que, em razão do conviver, há exemplos vários de dissimulação, utilizadas em nome da elegância, da cordialidade, para preservar uma relação ou, pura e simplesmente, para uma satisfação interior.
Desse tipo de dissimulação, todos nós, em determinado momento, somos protagonistas. Eu sou, tu és, ele é. Somos nós. Uns com arte; outros, nem tanto.
Por ocasião de uma visita, daquelas sem hora para encerrar, não é incomum fingir-se “lamentar” a decisão da visita incômoda de ir embora e pôr termo ao desconforto, quando, em verdade, gostaríamos mesmo era de dizer:já vai tarde.
Nesse caso, dissimulamos para o bem da relação. Não faz mal. Não ofende. Não magoa. Preserva a amizade e espanca os incômodos, próprios de uma visita sem limite de tempo.
Da mesma forma, quando se ouve uma pessoa dizer, sem a menor convicção, que não está nem aí para o que dizem dela, pode ter certeza que ela está muito aí, sim; está mais aí do que se imagina. Mas ela prefere dissimular, numa vã tentativa de se enganar.
Não é incomum ouvir um interlocutor dizer, depois de uma acirrada discussão, que não retira uma só palavra do que disse, quando, em verdade, está profundamente arrependido de, sem pensar, ter dito o que não diria em condições emocionais normais.
Nessa ordem de ideias, pode ocorrer, ao reverso, de, depois de uma alfinetada num desafeto, o contendor, com ares de arrependimento, desculpar-se dizendo que não pretendia ofender, muito embora a sua verdadeira intenção tenha sido mesmo de ofender. Contudo, diante do desconforto, propiciado pelo que disse, prefere dissimular, ainda que o faça sem a mínima convicção.
Quantas vezes, numa discussão entre casais, ouvem-se um dizer para o outro: “Tu morrestes para mim”. Essa afirmação, no entanto, pode não retratar o verdadeiro sentimento do autor da frase. Pode ser puro mimetismo, pura dissimulação. Pode ocorrer que, verdadeiramente, o autor da afirmação continue amando profundamente a quem finge não amar, a quem finge querer esquecer, a quem finge desejar a morte. Se ele(a) fosse humilde, diria: “Não me deixes, eu não vivo sem você. Prefiro a morte a perdê-la(o)”. Mas prefere dissimular , ainda que o faça com evidente desconforto, propiciado pelas ofensas assacadas contra a pessoa amada.
E, assim, seguimos todos nós: disfarçando, fingindo, dissimulando.
É a vida, dirão. É a vida, direi.
Para ilustrar: Euclides da Cunha, com receio de ver desonrada sua família, tentava dissimular, embora desconfiasse de Saninha. Para ele, tudo que arranhasse a reputação de sua família, que lhe manchasse o nome, tinha de ser enfrentado como uma perigosa ameaça. Por isso, negava em público o ciúme que nutria de Saninha com Dilermamdo. Em carta escrita ao pai, em janeiro de 1906, Saninha dizia-lhe: “Eu não caí – graças a Deus – no repugante ridículo de uns ciúmesde tudo e em tudo injustificáveis; e nem estaria a escrever-lhe esta se duvidasse um só momento da honestidade da que me completa a vida”.
Dissimulação, tão somente. O enredo e o final desse filme todos conhecemos.