sábado, 9 de abril de 2011

As quatro estações - Vivaldi




Le quattro stagioni, conhecidos em português como As Quatro Estações, são quatro concertos para violino e orquestra do do compositor italiano  Antônio Vivaldi, compostos em 1723 e parte de uma série de doze publicados em Amsterdã em 1725, intitulada  Il cimento dell'armonia e dell'invenitione. Ao contrário da maioria dos concertos de Vivaldi, estes quatro têm um programa claro: vinham acompanhados por um soneto ilustrativo impresso na parte do primeiro violino, cada um sobre o tema da respectiva estação. Não se sabe a origem ou autoria desses poemas, mas especula-se que o próprio Vivaldi os tenha escrito. As Quatro Estações é a obra mais conhecida do compositor, e está entre as peças mais populares da música barroca.



I – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL:


“Mulheres de Atenas” faz referência a aspectos da sociedade ateniense do período clássico, e a alguns episódios e personagens da mitologia grega. 
A letra faz uma alusão aos famosos poemas épicos “Odisséia” e “Ilíada”, ambos atribuídos a Homero. 
Em “Odisséia”, a bela Penélope, padece dolorosamente de solidão com a separação de seu esposo Ulisses, herói do poema. Durante essa ausência, Penélope se arruma, perfuma e implora a deusa Atena que providencie o retorno de seu amado ao lar. 
Sua beleza e riqueza atraem a ambição de vários pretendentes que julgavam seu marido morto, ela, porém, preserva sua dignidade e absoluta fidelidade ao marido.
Na época era costume as mulheres tecerem uma mortalha para seus entes queridos, que se encontravam prestes a deixar esse mundo. Penélope usa desse artifício para ganhar tempo com seus pretendentes, que se conformaram e aceitaram de imediato, visto ser uma proposta honesta.


Penélope, no entanto, jamais a concluiria; pois na tentativa de fazer com que seus pretendentes desistissem do plano de disputar o lugar de Ulisses, ela desmanchava a noite, às escondidas o trabalho realizado durante o dia, como uma perfeita heroína romântica à espera de seu eterno amor.

“(...) Urgem-me os procos, e eu maquino enganos. Um gênio me inspirou tramar imensa larga teia delgada, e assim lhes disse: - Amantes meus, depois de morto Ulisses, vós não me insteis, o meu lavor perdendo, sem que do herói Laertes a mortalha toda esteja tecida, para quando no sono longo o sopitar o fado: nenhuma argiva expobre-me um funéreo manto rico não ter quem teve nato. – A diurna obra desfazia à noite, e os entretive ilusos por três anos (...)” (Homero, p. 335, 2002).

No poema de Chico Buarque essa referência à Penélope é feita na segunda estrofe:

Quando eles embarcam, soldados 
Elas tecem longos bordados (preservam-se)
Mil quarentenas (anos a fio a espera de seus maridos)

Com o passar do tempo, ocorre a morte dos pretendentes de Penélope e o rei Agamêmnon, filho de Atreu, lamenta profundamente a morte dos que lhes eram caros e faz a seguinte referência à esposa de Ulisses, descrita em “Odisséia”, de Homero, na Rapsódia XXIV, p. 216, Abril, Editora, edição de 1981:

A alma do filho de Atreu exclamou: Ditoso filho de Laertes, industrioso Ulisses, grande era o mérito da que tomaste por esposa. Nobres os sentimentos da irrepreensível Penélope, filha de Icário, que soube manter-se sempre fiel ao seu esposo Ulisses! Por isso, jamais perecerá a fama de sua virtude, e os Imortais inspirarão aos homens belos cantos em louvor da prudência de Penélope”.

Os autores de “Mulheres de Atenas” remetem a uma referência histórica de um momento da humanidade que data de cinco séculos antes de Cristo e valem-se da ideologia em “Odisséia” para chamar a atenção das mulheres que ainda “vivem” e “secam” por seus maridos ao estilo ateniense. 
É importante ressaltar que parte da crítica literária avalia esse texto como uma apologia à submissão e à subserviência feminina em relação ao seu marido, a exemplo do comportamento das mulheres da Grécia antiga. Porém, a grande parte dessa crítica não interpretou corretamente a ironia que consta no texto. Onde se lê “Mirem-se...” sugere-se que se faça o contrário; dessa forma, o texto é um hino contra a submissão das mulheres que se sujeitam às regras ditadas pelas sociedades patriarcais. 
O próprio Chico Buarque, em uma entrevista à televisão Cultura, ao ser indagado sobre o pensamento das feministas da época, disse:

Elas não entenderam muito bem. Eu disse: mirem-se no exemplo daquelas mulheres que vocês vão ver o que vai dar. A coisa é exatamente ao contrário.”

A ironia não se prende somente à falta de clareza da própria condição da mulher. O autor estende sua ironia também aos homens que se consideram superiores e elevados, em relação ao sexo feminino. Tomando como base o segundo verso de cada estrofe percebe-se que sempre quando se refere aos homens atenienses, Chico faz complementos enaltecendo suas características. O exagero e a insistência da exposição das qualificações superiores masculinas tornam-se cansativos e chamam bastante a atenção daqueles homens que, na visão das mulheres de Atenas, são heróis, mas, por outro lado, são cativos de suas falenas, de sereias, aventuras, naufrágios e morte prematura, por inconsequências de seus atos vulgares e riscos que correm em alto mar. 
Em “Ilíada”, Helena, filha de Zeus era considerada a mulher mais bela do mundo e é usada pela deusa Vênus para servir como prêmio para o príncipe Páris.
Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, foi seduzida e raptada por Páris, filho do rei de Tróia. Ao apaixonar-se por ele, ela é tida como vulgar, por haver deixado de amar seu verdadeiro marido. Esse rapto deu origem à guerra de Tróia, que os gregos promoveram para resgatar Helena; fato narrado em “Ilíada” de Homero. Embora, Ulisses não figurasse no primeiro plano da “Ilíada”, nele é frequentemente mencionado como um viajante conduzido às terras distantes e herói da batalha de Tróia. 


O poeta Homero relaciona as duas epopéias contrapondo as vertentes femininas: a esposa de Ulisses, a fiel Penélope e Helena, à esposa desleal e libertina. Por essas e outras razões a “Odisséia” está intimamente ligada à “Ilíada.”

II - LINGUAGEM:

Os autores de “Mulheres de Atenas” optaram pelo tom épico narrativo, ressaltando o caráter heróico das mulheres de Atenas. 
O texto explora uma preocupação com a linguagem culta e emprego de vocabulário metafórico composto por um universo semântico helênico: presságios, naufrágios, heróis guerreiros, melenas, cadenas, pequenas Helenas, sirenas, e longos bordados tecidos. Dessa forma, é necessário percorrer os caminhos da história, principalmente da cultura grega do período clássico, da mitologia, e reconhecer a intertextualidade com outros textos, contido em “Mulheres de Atenas” para melhor interpretá-lo.
Nos versos a seguir nota-se nitidamente o aspecto comportamental dos séculos V e IV a.C. apresentados figurativamente.

Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas

(...)

Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas

Os autores ao fazerem referências aos termos “cadenas” e “falenas” estabelecem uma relação fundamental entre o significante e o significado do texto que remete à conduta e à cultura da época. 

De acordo com as palavras do historiador Edward MacNall Burns:

Embora o casamento continuasse a ser uma instituição importante para a procriação dos filhos, que se tornariam os cidadãos do Estado, há razão para se crer que a vida familiar tivesse declinado. Ao menos os homens de classes mais prósperas passavam a maior parte do tempo longe de suas famílias. As esposas, relegadas a uma posição inferior, deviam permanecer reclusas em casa. O lugar de companheiras sociais e intelectuais dos maridos foi ocupado por mulheres estranhas, as famosas heteras, algumas das quais eram naturais das cidades jônicas e demonstravam grande cultura. Os homens casavam para assegurar legitimidade ao menos a alguns de seus filhos e para adquirir prosperidade por meio do dote. Era também necessário, naturalmente, ter alguém para tomar conta da casa”. 

Dessa forma, sob o ponto de vista semântico, os autores recorreram à justaposição de ideias para autenticar a situação das mulheres atenienses. 
Cadena é um espanholismo que significa “cadeia, corrente, fila, série”, como, também, “Meio empregado para tirar dos chifres do touro, sem perigo, o laço que o prende”. 
De qualquer maneira, sua definição transporta à ideia de prisão, subordinação e obediência a que vivem às mulheres à mercê dos seus maridos, no texto, representada por Penélope. 
Falena, heteras (do grego ἑταίραι - hetaírai - "companheiras") ou mariposas em sentido metafórico, eram cortesãs e prostitutas sofisticadas, que além de suas prestações sexuais ofereciam companhia e com as quais os clientes frequentemente tinham relacionamentos prolongados. A menção de Helena no texto, uma figura de conduta antagônica à de Penélope, é feita para expressar sua rara beleza, ressaltando as aventuras dos maridos que buscam os carinhos de outras “falenas”, mas mantém em seus lares uma mulher de beleza maior para quem sempre voltam para os braços, sem reminiscência de seus atos extraconjugais.
Enquanto que “as cadenas” vivem, sofrem, despem-se, geram, temem, secam, por seus maridos; “as falenas” desfrutam dos prazeres de seus amantes.
É importante observar a colocação sequencial dos verbos gerando uma gradação decrescente do ciclo de vida das mulheres de Atenas, que se inicia com o verbo viver e se fecha com o verbo secar, isto é, morrer.
Na quarta estrofe encontra-se a perda de identidade das mulheres de Atenas que assistem sua vida passar despercebida e tendo seus desejos anulados, restando-lhes, apenas, pressentimentos. 

Elas não têm gosto ou vontade 
Nem defeitos nem qualidade 
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios

Na continuidade, os versos remetem a mais um fragmento do poema épico “Odisséia”. Trata-se da passagem de Ulisses pela ilha das Sereias, próximo ao golfo de Nápoles. Segundo o poema de Homero, o herói tapou com cera os ouvidos de seus companheiros e pediu que o amarrassem ao mastro do navio, para que nem ele nem a tripulação se deixassem seduzir pelo canto de morte das sereias, todavia, ele queria saber como era esse canto. 
Os autores de “Mulheres de Atenas” retomam e traçam a intertextualidade com o poema épico através dos versos:

O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas



O signo “sirenas” corresponde á sirene (som, barulho) e ao canto das sereias da mitologia, personificada por “lindas” e “morenas”, aquelas que atraiam pelo seu canto e beleza os homens ao fundo do mar. 

Outros recursos encontrados no texto são:
- antítese: ao expressar a condição feminina da mulher ateniense, como por exemplo: defeito... qualidade; vivem... secam (morrem); despem-se... vestem-se; gosto... vontade; amadas... abandonadas; embarcam (partem)... voltam; etc.

- anacoluto: usado apenas para manter a construção idêntica das estrofes: “Lindas sirenas (sereias) / Morenas”; “Se confortam e se recolhem / às suas novenas /Serenas”; “Querem arrancar violentos / Carícias plenas”; etc.

- eufemismo: empregado no texto para atenuar a condição de dramaticidade exposta pelo autor. Exemplo: “Se banham com leite” - Aprisionam-se em casa.

- zeugma: marcado pela elipse de um termo integrante da oração que foi mencionado anteriormente. 
“Elas não têm gosto ou vontade / Nem defeito nem qualidade / (elas) têm medo apenas” / (elas) Não têm sonhos, só têm presságios / O seu homem (tem) mares, naufrágios / Lindas sirenas / Morenas”. 

- gradação: emprego de uma sequência encadeada. 
“Se ajoelham, pedem, imploram / Mais duras penas /Cadenas” 
Nesse caso, o autor estabelece uma gradação com clímax em ordem crescente ao denunciar a degradante condição das mulheres de Atenas em total subserviência. 

III – ESTRUTURA DO TEXTO:

O texto se compõe, fundamentalmente, de cinco estrofes de nove versos cada uma. As estrofes apresentam um esquema fixo de rimas: o primeiro verso rima sempre com o segundo, o quinto o oitavo e o nono; o terceiro rima com o quarto; o sexto com o sétimo. Do ponto de vista métrico, é inegável a habilidade do autor que abusou de uma métrica elaborada: os dois primeiros versos têm 14 sílabas poéticas: o terceiro, o quarto, o sexto e o sétimo têm oito; o quinto e o oitavo têm quatro e o nono tem duas sílabas métricas poéticas.
Os dois primeiros versos funcionam como refrão. As ideias básicas do poema são reafirmadas pelo fim do poema que traz o refrão como se quisesse iniciar uma sexta estrofe.
O poema apresenta uma forma cíclica, circular deixando em aberto a reflexão do leitor.
O refrão e o paralelismo remetem à estrutura usada nas cantigas medievais com o intuito de dar ênfase á temática do poema. 

IV – TEMPO E ESPAÇO:

No texto não há indicações temporais específicas. A narrativa dá-se no tempo cronológico, entretanto, refere-se ao tempo psicológico.
O espaço remete a cidade de Atenas, havendo menções de mares e de guerras (supostamente em terras distantes, fato denunciado pelas ausências e naufrágios de seus maridos).

V- FOCO NARRATIVO:

O texto tem o foco narrativo em terceira pessoa. Do ponto de vista gramatical, os autores dirigem a narrativa ao coletivo, “ás mulheres” representadas alegoricamente pelos estereótipos de Penélope e Helena.
Esse coletivo está representado gramaticalmente pelo sujeito da forma verbal de terceira pessoa do plural do imperativo afirmativo mirem-se (vocês). Observe que o verbo no imperativo não admite a classificação de sujeito indeterminado (a norma culta diz que só se emprega o imperativo quando se tem certeza do enunciatário da mensagem, daí não ser possível classificar o sintagma nominal de um imperativo como indeterminado).
Há, também, outro sintagma nominal que é introduzido no enredo e faz parte do contexto, sem importância central: “eles”, os soldados, seus maridos, bravos guerreiros, etc,