quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Um pouco mais de nós - José Jorge Letria


Podes dar uma centelha de lua, 
um colar de pétalas breves 
ou um farrapo de nuvem; 
podes dar mais uma asa 
a quem tem sede de voar 
ou apenas o tesouro sem preço 
do teu tempo em qualquer lugar; 
podes dar o que és e o que sentes 
sem que te perguntem 
nome, sexo ou endereço; 
podes dar em suma, com emoção, 
tudo aquilo que, em silêncio, 
te segreda o coração; 
podes dar a rima sem rima 
de uma música só tua 
a quem sofre a miséria dos dias 
na noite sem tecto de uma rua; 
podes juntar o diamante da dádiva 
ao húmus de uma crença forte e antiga, 
sob a forma de poema ou de cantiga; 
podes ser o livro, o sonho, o ponteiro 
do relógio da vida sem atraso, 
e sendo tudo isso serás ainda mais, 
anônimo, pleno e livre, 
nau sempre aparelhada para deixar o cais, 
porque o que conta, vendo bem, 
é dar sempre um pouco mais, 
sem factura, sem fama, sem horário, 
que a máxima recompensa de quem dá 
é o júbilo de um gesto voluntário. 

E, afinal, tudo isso quanto vale ? 
Vale o nada que é tudo 
sempre que damos de nós 
o que, sendo ato amor, ganha voz 
e se torna eterno por ser único e total



O Preço da Honra - Baruch Espinoza "Tratado da Correcção do Intelecto"

As coisas que mais ocorrem na vida e são tidas pelos homens como o supremo bem resumem-se, ao que se pode depreender das suas obras, nestas três: as riquezas, as honras e a concupiscência. Por elas a mente se vê tão distraída que de modo algum poderá pensar em qualquer outro bem. Realmente, no que tange à concupiscência, o espírito fica por ela de tal maneira possuído como se repousasse num bem, tornando-se de todo impossibilitado de pensar em outra coisa; mas, após a sua fruição, segue-se a maior das tristezas, a qual, se não suspende a mente, pelo menos a perturba e a embota. Também procurando as honras e a riqueza, não pouco a mente se distrai, mormente quando são buscadas apenas por si mesmas, porque então serão tidas como o sumo bem. Pela honra, porém, muito mais ainda fica distraída a mente, pois sempre se supõe ser um bem por si e como que o fim último, ao qual tudo se dirige.
Além do mais, nestas últimas coisas não aparece, como na concupiscência, o arrependimento. Pelo contrário, quanto mais qualquer delas se possuir, mais aumentará a alegria e consequentemente sempre mais somos incitados a aumentá-las. Se, porém, nos virmos frustrados alguma vez nessa esperança, surge uma extrema tristeza. Por último, a honra representa um grande impedimento pelo facto de precisarmos, para consegui-la, de adaptar a nossa vida à opinião dos outros, a saber, fugindo do que os homens em geral fogem e buscando o que vulgarmente procuram.