sábado, 14 de abril de 2012

"The Girl from Ipanema" Astrud Gilberto, João Gilberto and Stan Getz


French Baroque Song: Le Roi a fait battre Tambour (1750 c.) / Le Poème Harmonique


Marin Marais - Semele (Chaconne)


Esboço de uma Serpente - Paul Valery



Entre a árvore, a brisa acalenta 
a víbora que hei de vestir; 
um sorriso, que o dente espeta 
e de apetites vem luzir, 
sobre o jardim se arrisca e vaga, 
e o meu triângulo de esmeralda 
atrai a língua do réptil... 
Besta sou, porém besta arguta, 
cujo veneno, embora vil, 
deixa longe a sábia cicuta!

Suave é este tempo de prazer! 
Tremei, mortais, ao meu valor 
quando, sem me satisfazer, 
bocejo e quebro o meu torpor! 
A esplendidez do azul aguça 
esta cobra que me rebuça 
de uma animal simplicidade: 
vinde a mim, ó raça aturdida! 
Que estou prestes e decidida, 
semelhante à necessidade!

Ó Sol, ó Sol!... Falta estupenda! 
Tu que mascaras o morrer, 
sob o azul e o ouro de uma tenda 
onde as flores vão se acolher; 
em meio a mil delícias baças, 
tu, o mais feroz dos meus comparsas, 
dos meus ardis o mais perfeito, 
aos corações não deixas ver 
que este universo é só um defeito 
na puridade do Não-Ser!

Ó Sol, que soas as matinas 
do ser, e em fogos o acompanhas, 
que num fatal sono o arrepanhas 
todo pintado de campinas, 
fautor de fantasmas risíveis 
que prendes às coisas visíveis 
a presença obscura da alma, 
sempre me agradou a mentira 
que tu sobre o absoluto espalhas, 
rei das sombras tornado pira!

A mim o teu calor brutal, 
onde a minha preguiça gelada 
vem devanear sobre algum mal 
próprio à minha índole enlaçada... 
Este amável lugar me seduz 
onde cai a carne e produz! 
Aqui meu furor amadura; 
e eu o aconselho, e eu o refaço, 
e me escuto, e em meio aos meus laços 
minha meditação murmura...

Ó Vaidade! Causa primeira, 
que domina os Céus e os conduz, 
de uma voz que já foi a luz 
abrindo o cosmo sem fronteira! 
Lasso de Seu puro espetáculo, 
o próprio Deus rompeu o obstáculo 
de tão perfeita eternidade; 
ele se fez O que dispersa 
em conseqüências Seu começo, 
em estrelas Sua Unidade.

O Céu, Seu erro! E o Tempo, a ruína! 
E o abismo animal alargado! 
Queda naquilo que origina, 
fagulha em vez do puro nada! 
Mas o primeiro som do Seu Verbo, 
EU!... dos astros o mais soberbo 
que disse o louco criador – 
eu sou!... Eu serei... E ilumino 
esse diminuir divino 
dos fogos do grão Sedutor!

Radioso objeto de minha ira, 
Tu, que amei de um amor flamante, 
e que da geena decidiste 
conceder o império a este amante, 
nos meus escuros Te remira! 
Que ao veres Teu reflexo triste, 
troféu do meu espelho negro, 
tenhas tão funda comoção, 
que sobre a argila o Teu ofego 
seja um suspiro de aflição!

Em vão moldaste nessa lama 
a prole dos fáceis infantes 
que dos Teus atos triunfantes 
a eterna louvação proclama! 
Tão logo secos – e perfeitos, 
são da Serpente já desfeitos, 
filhos que o Teu criar produz. 
Olá, lhes diz, recém-chegados! 
Homens que sois, e andais tão nus, 
animais brancos e abençoados!

Odeio-vos, que do execrado 
à semelhança fostes feitos, 
tal como ao Nome que tem criado 
esses prodígios imperfeitos! 
Eu sou o agente da mudança, 
retoco o peito que se afiança, 
de um dedo exato e misterioso! 
Transformaremos essas obras 
e as evasivas, moles cobras 
em répteis negros, furiosos!

Meu intelecto inumerável 
toca no humano coração 
o instrumento de minha raiva, 
que foi feito por Tua mão! 
E Tua Paternidade alada, 
todo aquele que, na estrelada 
câmara ela acolha que a afague, 
sempre o excesso dos meus assaltos 
lhe traga uns longes sobressaltos 
que seus propósitos estrague!

Vou e venho, deslizo, enfronho, 
desapareço em peito puro! 
Houve jamais seio tão duro 
onde não possa entrar um sonho? 
Quem quer que sejas, não sou esta 
complacência que te requesta 
a alma, desde que ela se ame ? 
Ao fundo sou de seu favor 
este inimitável sabor 
que de ti em ti se derrame!

Eva! que eu tenho surpreendido 
em seus primeiros pensamentos, 
o lábio aos hálitos rendido 
que das rosas se evolam lentos. 
Quão perfeita me apareceu, 
de ouro coberto o flanco seu, 
sem temor ao sol nem ao homem; 
ofertada aos olhos da brisa, 
a alma ainda estúpida, tal como 
perplexa ante a carne, indecisa.

Oh, massa de beatitude, 
és tão bela, prêmio veraz 
para toda a solicitude 
das almas boas e das más! 
Para que aos lábios teus se prendam, 
basta que a um sopro teu se rendam! 
Tornam-se piores os mais puros, 
logo se ferem os mais duros... 
Também a mim teus dons encantam, 
de quem vampiros se levantam!

Sim! De meu posto entre a folhagem – 
réptil que de ave se fingia –, 
enquanto a minha pabulagem 
uma armadilha te tecia, 
eu te bebi, surda beldade! 
Prenhe de encanto e claridade, 
eu dominava, sem tremer, 
fixo o olho em tua lã dourada, 
tua nuca obscura e carregada 
dos segredos do teu mover!

Presente estive, qual odor 
que a alguma ideia corresponda, 
cujo fundo, insidioso negror 
não se elucida nem se sonda! 
Pois eu te inquietava, ó candura, 
carne molemente segura, 
sem ter de mim nenhum temor, 
a tremer em teu esplendor! 
Logo eu te tinha, eu te levava, 
e tua nuança variava!

(A soberba simplicidade 
demanda infinitos cuidares! 
Sua transparência de olhares, 
tolice, orgulho, felicidade 
guardam bem a bela cidade! 
Procuremos criar-lhe azares, 
e traga o mais raro artifício 
ao peito puro o seu motim. 
Eis minha força, o meu ofício, 
a mim os meios do meu fim!)

Ora, de uma baba ofuscante 
fiemos os suaves assaltos 
que façam com que Eva, hesitante, 
se envolva em vagos sobressaltos. 
Que sob a seda da surpresa 
palpite a pele dessa presa, 
acostumada ao azul puro!... 
Mas de gaze nem uma trama, 
nem fio invisível, seguro, 
além da que meu estilo trama!

E ditos, língua, redourados, 
dá-lhe os mais doces que conheças! 
Alusões, fábulas, finezas, 
e mil silêncios cinzelados, 
emprega tudo o que a seduza: 
nada que a não bajule e induza 
a se perder nas minhas vias, 
dócil aos declives que guiam 
para o fundo das azuis bacias 
os veios que nos céus se criam.

Oh, quanta prosa sem parelha, 
quanto espírito não recoso 
e lanço ao dédalo sedoso 
dessa maravilhosa orelha! 
Penso: lá nada é sem proveito, 
tudo importa ao suspenso peito! 
O triunfo é certo, se o propor, 
da alma espreitando algum tesouro, 
como uma abelha a alguma flor, 
não deixa mais a orelha de ouro!

“Só o que o meu sopro lhe confere, 
a ela, é a própria voz divina! 
Uma ciência viva fere 
o corpo do fruto maduro! 
Não ouças o Ser velho e puro 
que a breve mordida abomina! 
Que, se a boca se põe a sonhar, 
a sede que à seiva se atreva, 
esta delícia por chegar, 
é a eternidade fundente, Eva!”

Ela bebeu minha mensagem, 
que tecia um estranho arranjo; 
seu olho perdeu algum anjo 
por penetrar minha ramagem. 
O mais hábil dos animais 
que se ri de seres tão dura, 
ou pérfida e cheia de males, 
é só uma voz entre a verdura! 
– Mas Eva muito séria estava 
e sob o galho ela a escutava!

“Alma, eu lhe disse, doce pouso 
de tanto êxtase condenado, 
não sentes este amor sinuoso 
que foi por mim ao Pai roubado? 
Tenho esta essência celestial 
a fins mais doces do que o mel 
reservado tão suavemente... 
Apanha o fruto... Oh, que se estenda 
a tua mão e, ardentemente, 
te faça dele uma oferenda!”

Que silêncio – o bater de um cílio! 
Que sopro no peito soçobra, 
que a árvore mordeu de sua sombra! 
O outro brilhava qual pistilo! 
– Silva, silva! – ele me cantava! 
E eu sentia fremir as mil 
dobras do meu dorso sutil, 
saindo então do meu abrigo: 
rolaram atrás do berilo 
de minha crista, até o perigo!

Ó gênio! Ó comprida impaciência! 
Eis chegado o instante em que um passo 
em direção à nova Ciência 
fluirá de um fino pé descalço. 
Aspira o mármore, o ouro enjambra! 
Tremem as bases de sombra e âmbar 
na véspera do movimento!... 
Ela vacila, a grande urna, 
de onde emana o consentimento 
dessa aparente taciturna!

Do vivo prazer que antegozes, 
belo corpo, cede aos apelos! 
Que a sede de metamorfoses 
em torno da Árvore dos Zelos 
engendre a cadeia de poses! 
Vem, sem vires! Ensaia passos 
vagos, como ao peso de rosas... 
Não penses! Dança nos espaços... 
Aqui há causas deliciosas 
que bastam ao curso das coisas!...

Oh, quanto é infértil a fruição 
que me ofereço, com demência: 
de ver tão suave compleição, 
fremir em desobediência!... 
Breve, emanando seu sustento 
de sabedoria e ilusões, 
toda a Árvore do Conhecimento, 
esguedelhada de visões, 
no amplo corpo que investe rumo 
ao sol, bebe do sonho o sumo.

Grande Árvore, Sombra das Alturas, 
irresistível Árvore de árvores, 
que os sucos amáveis procuras 
na fragilidade dos mármores, 
ó tu, que os labirintos cevas 
por onde as constrangidas trevas 
se percam no marinho lume 
da sempiterna madrugada, 
doce perda, brisa ou perfume, 
ou pomba já predestinada,

Cantor, secreto bebedor 
das mais profundas pedrarias, 
berço do réptil sonhador 
por quem já Eva tresvaria, 
grande Ser, pleno de saber, 
que sempre, como por mais ver, 
ao alto apelo de teu cimo 
cedes, e ao ouro puro os braços 
estendes, teus esgalhos baços, 
de outra parte, cavando o abismo,

Podes o infindo repelir, 
feito só de teu crescimento, 
e, da tumba ao ninho, sentir 
que és inteiro Conhecimento! 
Mas este velho amante do impasse, 
de uns secos sóis no inútil ouro, 
vem em tua copa enroscar-se – 
seus olhos fremem teu tesouro! 
Frutos de morte, de incerteza, 
de desespero ali sopesa!

Bela serpe, suspensa aos céus, 
sibilo, com delicadeza, 
ofertando à glória de Deus 
o triunfo da minha tristeza... 
Basta-me, nos ares tranquilos, 
que a ânsia do amargo fruto os filhos 
do barro ponha em desvario... 
– A sede que te faz tamanha 
até ao Ser exalta a estranha

Toda-Potência do Vazio!

Giuseppe Torelli~Trumpet Concerto in D (Alison Balsom)


IMA - Mourir dans tes bras


Ima - Et pourtant