terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Um céu e nada mais > Ana Luisa Amaral


Um céu e nada mais — que só um temos, 
como neste sistema: só um sol. 
Mas luzes a fingir, dependuradas 
em abóbada azul — como de tecto. 
E o seu número tal, que deslumbrados 
neram os teus olhos, se tas mostrasse, 
amor, tão de ribalta azul, como de 
circo, e dança então comigo no 
trapézio, poema em alto risco, 
e um levíssimo toque de mistério. 
Pega nas lantejoulas a fingir 
de sóis mal descobertos e lança 
agora a âncora maior sobre o meu 
coração. Que não te assuste o som 
desse trovão que ainda agora ouviste, 
era de deus a sua voz, ou mito, 
era de um anjo por demais caído. 
Mas, de verdade: natural fenómeno 
a invadir-te as veias e o cérebro, 
tão frágil como álcool, tão de 
potente e liso como álcool 
implodindo do céu e das estrelas, 
imensas a fingir e penduradas 
sobre abóbada azul. Se te mostrasse, 
amor, a cor do pesadelo que por 
aqui passou agora mesmo, um céu 
e nada mais — que nada temos, 
que não seja esta angústia de 
mortais (e a maldição da rima, 
já agora, a invadir poema em alto 
risco), e a dança no trapézio 
proibido, sem rede, deus, ou lei, 
nem música de dança, nem sequer 
inocência de criança, amor, 
nem inocência. Um céu e nada mais.

Ana Luísa Amaral, in “Às Vezes o Paraíso”

As frágeis hastes > Eugénio de Andrade

Não voltarei à fonte dos teus flancos 
ao fogo espesso do verão
a escorrer infatigável
dos espelhos, não voltarei.

Não voltarei ao leito breve
onde quebrámos uma a uma
todas as frágeis
hastes do amor.

Eis o outono: cresce a prumo.
Anoitecidas águas
em febre em fúria em fogo
arrastam-me para o fundo.


Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

Elina Garanca "Habanera" Carmen

Caetano Veloso > Mimar você!!!