sexta-feira, 1 de abril de 2011

A arte da hipocrisia - Jose Ingenieros

A hipocrisia é a arte de amordaçar a dignidade; ela faz emudecer os escrúpulos nos espíritos incapazes de resistir à tentação do mal. É falta de virtude para renunciar a este, e de coragem para assumir a sua responsabilidade. É o guano que fecunda os temperamentos vulgares, permitindo-lhes prosperar na mentira: como essas árvores cuja ramagem é mais frondosa, quando crescem nas imediações dos lodaçais.
Gela, por onde ela passa todo nobre germe de ideal: é o evento rijo e frio que destrói o entusiasmo. Os homens rebaixados pela hipocrisia vivem sem sonho, ocultando suas intenções, disfarçando seus sentimentos, dando saltos como uma fera; têm a íntima certeza, embora inconfessada, de que seus atos são indignos, vergonhosos, nocivos, arrufinados, irremissíveis. Por isso, sua moral é dissolvente: envolve sempre uma simulação.
Os hipócritas não são impelidos por fé alguma; não suspeitam o valor das crenças retilíneas. Esquivam a responsabilidade das suas ações, são audazes, na traição, e, tímidos, na lealdade. Conspiram, e agridem na sombra, espeçonhentas, e difamam com aveludada suavidade. Nunca ostentam um galardão inconfundível: cerram todas as frinchas do seu espírito, pelas quais poderia escapar-se, ou revelar-se, a sua personalidade nua, sem roupagem social da mentira.
É seu anelo simular as aptidões e qualidades que consideram vantajosas, para acentuar a sombra que projetam no seu cenário. Assim como os engenhos exíguos macaqueiam o talento intelectual, sobrecarregando-se de requintados artifícios, subterfúgios e defesas, os indivíduos de moralidade indecisa parodiam o talento moral, ouropelando de virtude a sua insípida honestidade. Ignoram o veredicto do próprio tribunal interior; aspiram ao salvo-conduto outorgado pelos cúmplices dos seus prejuízos convencionais.

Pinturas - Paula Rego - escrito por Marelo Coelho

A pintora portuguesa Paula Rego tem sua primeira retrospectiva no Brasil. Fica na Pinacoteca do Estado até meados de junho. A artista vive na Inglaterra há cerca de 50 anos, virou "dame" (o equivalente a "sir") do Império Britânico. Seu estilo é próximo do realismo de Lucian Freud, e pode-se notar sua influência sobre artistas mais recentes, como Jake e Dinos Chapman (bonecos hermafroditas, crianças xifópagas nuas penduradas de cabeça para baixo). aula Rego ilustrou rimas e contos infantis, mas seus quadros e gravuras (uma série sobre aborto, cenas de asilo, de guerra, de violência sexual doméstica) tendem a ser para maiores de  8 anos. Escrevo sobre ela no artigo desta quarta-feira, dia 30. Duas das pinturas (pastéis de grande formato, na verdade) de que mais gostei na exposição. Uma é a "mulher-cachorro", outra é Branca de Neve depois de ter comido a maçã envenenada.