quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Os amantes com casa > Joaquim Pessoa - Portugal



Andavam pela casa amando-se 
no chão e contra as paredes. 
Respiravam exaustos como se tivessem 
nascido da terra 
de dentro das sementeiras. 
Beijavam-se magoados 
até se magoarem mais. 
Um no outro eram prisioneiros um do outro 
e livres libertavam-se 
para a vida e para o amor. 
Vivendo a própria morte 
voltavam a andar pela casa amando-se 
no chão e contra as paredes. 
Então era a música, como se 
cada corpo atravessasse o outro corpo 
e recebesse dele nova presença, agora 
serena e mais pobre mas avidamente rica 
por essa pobreza. 
A nudez corria-lhes pelas mãos 
e chegava aonde tudo é branco e firme. 
Aquele fogo de carne 
era a carne do amor, 
era o fogo do amor, 
o fogo de arder amando-se e por toda a casa, 
contra as paredes, no chão. 
Se mais não pressentissem bastaria 
aquela linguagem de falar tocando-se 
como dormem as aves. 
E os olhos gastos 
por amor de olhar, 
por olhar o amor. 
E no chão 
contra as paredes se amaram e 
pela casa andavam como 
se dentro das sementeiras respirassem. 
Prisioneiros libertados, um 
no outro eram livres 
e para a vida e para o amor se beijaram 
magoando-se mais, até ficarem magoados. 
E uma presença rica, 
agora nova e mais serena, 
avidamente recebeu a música que atravessou de 
um corpo a outro corpo 
chegando às mãos 
onde toda a nudez é branca e firme. 
Com uma carne de fogo, 
incarnando o amor, 
incarnando o fogo, 
contra o chão das paredes se amaram 
pressentindo que 
andando pela casa bastaria tocarem-se 
para ficarem dormindo 
como acordam as aves. 

Joaquim Pessoa, in 'Inéditos'

Soneto do desmantelo azul > Carlos Pena Filho

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.




COUTINHO, Ediberto. Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. 4a ed. São Paulo: Ed. Global, 2000.

Il Divo - Adagio