sexta-feira, 4 de maio de 2012

Il Divo - The Power of Love


Os Lusíadas - Luís de Camões


“Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêem no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfície, claramente.

Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca se ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem, e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,

Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual enfim o arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo, ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: 'O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.

Vês aqui a grande Máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende'".

(Estrofes 77, 78, 79 e 80 respectivamente do Canto X de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões)
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/o_limiar_da_lucidez/2012/04/borges-camoes-drummond-e-o-universo.html#ixzz1twHFNZqV

A Escrita do Deus - José Luis Borges



“Então ocorreu o que não posso esquecer nem comunicar. Ocorreu a união com a divindade, com o universo (não sei se estas palavras diferem). O êxtase não repete seus símbolos; há quem tenha visto Deus num resplendor, há que o tenha percebido numa espada ou nos círculos duma rosa. Eu vi uma Roda altíssima, que não estava diante de meus olhos, nem atrás, nem nos lados, mas em todas as partes, a um só tempo. Essa Roda estava feita de água, mas também de fogo, e era (embora se visse a borda) infinita. (...) Ali estavam as causas e os efeitos e me bastava ver essa Roda para entender tudo, interminavelmente. Oh, felicidade de entender, maior que a de imaginar ou que a de sentir! Vi o universo e vi os íntimos desígnios do universo. Vi as origens narradas pelo Livro do Comum. Vi as montanhas que surgiram da água, vi os primeiros homens com seu bordão, vi as tinalhas que se voltaram contra os homens, vi os cães que lhes desfizeram os rostos. Vi o deus sem face que há por trás dos deuses. Vi infinitos processos que formavam uma só felicidade e, entendendo tudo, consegui também entender a escrita do tigre”.

(Fragmento do conto “A escrita do Deus”, de Jorge Luis Borges, que integra o volume “O Aleph”)

Passacaglia plays Chedeville/Vivaldi at Nordmaling Festival, Sweden