sábado, 30 de abril de 2011

Ciranda - Lia de Itamaracá - Pernambuco

Infância - Paulo Kautscher em 28 março 2011 at 22:37

INFÂNCIA
Há muito, arquiteturas corrompidas,
Frustrados amarelos e o carmim
De altas flores à noite se inclinaram
Sobre o peixe cego de um jardim.
Velavam o luar da madrugada
Os panos do varal dependurados;
Usávamos mordaças de metal
Mas os lábios se abriam se beijados.
Coados em noturna claridade,
Na copa, os utensílios da cozinha
Falavam duas vidas diferentes,
Separando da vossa a vida minha.
Meu pai tinha um cavalo e um chicote;
No quintal dava pedra e tangerina;
A noite devolvia o caçador
Com a perna de pau, a carabina.
Doou-me a pedra um dia o seu suplício.
A carapaça dos besouros era dura
Como a vida — contradição poética — 
Quando os assassinava por ternura.
Um homem é, primeiro, o pranto, o sal, 
O mal, o fel, o sol, o mar — o homem.
Só depois surge a sua infância-texto, 
Explicação das aves que o comem.
Só depois antes aparece ao homem.
A morte é antes, feroz lembrança
Do que aconteceu, e nada mais
Aconteceu; o resto é esperança. 
O que comigo se passou e passa
É pena que ninguém nunca o explique:
Caminhos de mim para mim, silvados,
Sarçais em que se perde o verde Henrique.
Há comigo, sem dúvida, a aurora,
Alba sangüínea, menstruada aurora,
Marchetada de musgo umedecido,
Fauna e flora, flor e hora, passiflora,

Espaço afeito a meu cansaço, fonte, 
Fonte, consoladora dos aflitos,
Rainha do céu, torre de marfim,
Vinho dos bêbados, altar do mito. 
Certeza nenhuma tive muitos anos,
Nem mesmo a de ser sonho de uma cova,
Senão de que das trevas correria
O sangue fresco de uma aurora nova.
Reparte-nos o sol em fantasias
Mas à noite é a alma arrebatada.
A madrugada une corpo e alma
Como o amante unido à sua amada.

O melhor texto li naquele tempo,
Nas paredes, nas pedras, nas pastagens,
No azul do azul lavado pela chuva,
No grito das grutas, na luz do aquário,
No claro-azul desenho das ramagens,
Nas hortaliças do quintal molhado
(Onde também floria a rosa brava)
No topázio do gato, no be-bop
Do pato, na romã banal, na trava
Do caju, no batuque do gambá,
No sol-com-chuva, já quando a manhã
Ia lavar a boca no riacho.
Tudo é ritmo na infância, tudo é riso,
Quando pode ser onde, onde é quando.

A besta era serena e atendia
Pelo suave nome de Suzana.
Em nossa mão à tarde ela comia
O sal e a palha da ternura humana.
O cavalo Joaquim era vermelho
Com duas rosas brancas no abdômen;
À noite o vi comer um girassol; 
Era um cavalo estranho feito um homem.
Tínhamos pombas que traziam tardes
Meigas quando voltavam aos pombais;
Voaram para a morte as pombas frágeis
E as tardes não voltaram nunca mais.
Sorria à toa quando o horizonte 
Estrangulava o grito do socó
Que procurava a fêmea na campina.
Que vida a minha vida! E ria só.

Que âncora poderosa carregamos
Em nossa noite cega atribulada!
Que força do destino tem a carne
Feita de estrelas turvas e de nada!
Sou restos de um menino que passou.
Sou rastos erradios num caminho
Que não segue, nem volta, que circunda
A escuridão como os braços de um moinho.
 

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Jeans - Frederico Barbosa



Jeans  
    
A carne forçada     
sob a calça jeans     
quase explode     
querendo sair.    
O tecido vibra     
fibra a fibra     
trêmula grade     
implodido jardim.    
Enquanto a carne     
flora pura     
implora em si.

Marcelo Alvarez - Una furtiva lagrima

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Matthias Höfs - Eine Spanische Weihnacht (Wolf Kerschek)

Bach - Magnificat - 01 - Magnificat

J. S. Bach - Gloria in Excelsis Deo (Messe h-moll)




b a c h   
(1685-1750)
Johann Sebastian Bach nasceu no dia 21 de março de 1685, em Eisenach, uma pequena cidade da Turíngia, no centro da Alemanha. Era descendente de uma família de músicos profissionais, que desde os tempos de Martinho Lutero (início do século XVI) vivia de seu trabalho e transmitia de geração em geração os segredos da arte musical.
Seu pai, João Ambrosio, era o músico da cidade. Com ele, aprendeu a tocar violino e viola, além de escrever as primeiras notas musicais. De acordo com a tradição familiar, J.S.Bach adquiriu uma profunda fé protestante. Sentado no banco do órgão da igreja de São Jorge, da qual seu tio era organista, aprendeu as primeiras noções desse instrumento.
Antes de fazer 10 anos, seus pais morreram. Seu irmão, Johann Cristoph, organista de Ohrdruf, o levou para sua casa e se ocupou de sua formação musical. Aos 15 anos, J.S.Bach ingressou no coral da igreja de São Miguel de Lüneburg. Recebia pela tarefa um salário e podia ir à escola de São Miguel para jovens nobres, onde estudou literatura, teologia, línguas antigas e filosofia.

J.S.Bach aproveitava as férias para viajar para os centros culturais mais próximos. Foi assim que, em Celle, recebeu a revelação da música francesa. Familiarizou-se principalmente com a obra de Lully e Couperin. Em Hamburgo, entrou em contato com a arte organística da grande tradição alemã, representada por Reinken e Lübeck. Obteve em 1703, o pôsto de violinista na corte ducal de Weimar.
O jovem músico conseguiu seu primeiro trabalho, como organista, na igreja de Neukirche, de Arnstadt. Mas, durante esse período, passou quatro meses em Lübeck, onde recebeu lições de Buxtehude que modificaram totalmente sua maneira de interpretar o órgão.
Ao regressar a Arnstadt, essas mudanças foram rejeitadas: sua maneira pessoal de tocar o órgão provocou conflitos com as autoridades eclesiásticas que sentiam suas artes de organista e suas intenções de reformar a música litúrgica como excrescências inconvenientes do serviço da igreja luterana. A paciência dos fiéis chegou ao limite quando do coro surgiu a voz de uma mulher, contrariando o costume de não permitir intérpretes femininos no templo.
O ambiente tornou-se hostil para J.S.Bach e, em julho de 1707, ele aceitou o cargo de organista na igreja de São Blásio, em Mühlhausen. Foi em Arnstadt e Mühlhausen que J.S.Bach compôs suas primeiras obras religiosas. Em formidáveis cantatas, combinou o barroco nórdico de Buxtehude com o colorido da música francesa, que conhecera em Celle. Em outubro do mesmo ano, J.S.Bach casou-se com sua prima Maria Bárbara, cuja voz no coro havia deixado indignados os moradores de Arnstadt.
Em meados de 1708, contratado pelo duque Wilhelm Ernest, foi organista da corte em Weimar, onde iniciou a série de suas obras de música sacra. Apesar de receber uma boa remuneração por seu trabalho, J.S.Bach considerava que não era apreciado em sua justa medida, e por essa razão aceitou uma oferta do príncipe Leopold von Anhalt, de Cöthen.
Em fins de 1717 instalou-se em Cöthen, mas antes passou um mês em um calabouço de Weimar. Foi diretor da orquestra do príncipe, Leopold von Anhalt. Nesse ducado, como a religião calvinista não admitia música de arte na igreja, J.S.Bach dedicou-se principalmente à composição de música instrumental. Deixou-se levar por sua natureza profunda, a do músico puro, e, sem se esquecer de Deus e da função religiosa de sua arte, cultivou com prazer as formas musicais profanas. Os Concertos de Brandenburgo (6) e as Suítes orquestrais (5) pertencem a essa época de grande produção.
Em 1718, foi nomeado compositor da côrte do rei da Polônia. No ano seguinte morre sua mulher, com quem J.S.Bach teve sete filhos. Mas em 1721, casou-se pela segunda vez: sua esposa, Ana Madalena Wülken, era uma destacada cantora da corte de Cöthen. J.S.Bach teve com ela mais treze filhos, acarretando-lhe uma situação financeira bem precária.
Depois da morte do príncipe, ganhou em 1723 o posto de Kantor (isto é, diretor de música da universidade) da igreja de São Tomás, em Leipzig, onde levou vida de alto prestígio social, embora amargurada por preocupações financeiras e freqüentes conflitos com o conselho da cidade, por causa de verbas insuficientes. Além de ganhar menos do que em Cöthen, foi obrigado a realizar tarefas na escola da igreja que não eram de seu agrado.
Só seu desejo de cumprir o objetivo de criar músicas só para servir a Deus explicava a tão desvantajosa mudança. Em recompensa, o eleitor da Saxônia e a Universidade de Leipzig ofereciam-lhe títulos honoríficos e outras honrarias. J.S.Bach alcançou grande fama de virtuose no órgão. Nessa etapa compôs brilhantes oratórios, missas, cantatas, e as duas paixões mais conhecidas - São João e São Mateus.
Enquanto as autoridades de Leipzig desprezavam J.S.Bach, a fama do compositor se estendia fora das fronteiras da cidade. O conde Hermano de Keyserling, da Prússia, pediu ao maestro que compusesse música para preencher de melhor maneira suas habituais noites de insônia. Assim nasceram as célebres Variações de Goldberg(1742).
J.S.Bach foi se retirando da vida ativa e se refugiou em seu mundo interior, em contato com a música e com Deus. Viajou para Dresden e em 1747 para Potsdam, onde o rei Frederico II, o Grande, lhe admirou as artes no órgão e no cravo. Escreveu, em recordação desta visita, a Oferenda musical.
Perdeu a visão em 1749, o que não o impediu de trabalhar na Arte da fuga, que ficou inacabada com a sua morte, em 28 de julho de 1750. Quatro de seus filhos tiveram êxito na música:Wilhelm Friedemann Bach, Johann Christopher Bach, Carl Philipp Emmanuel Bach e Johann Christian Bach. A viúva morreu de penúria num asilo de pobres.
Conforme o consenso geral, J.S.Bach é o maior compositor de todos os tempos, sendo considerado o precursor da música moderna. Sua música se caracteriza pelo arrojo da harmonia, rica em expressão, e pelo desenvolvimento lógico da melodia, contudo, sua imaginação musical é bastante complexa.
Sua vida passou-se em ambientes modestos, e sem maiores contatos com o mundo exterior. Quase nada se sabe de sua personalidade: devoção luterana que combina com apreço aos prazeres deste mundo; bom pai de família (20 filhos, de dois casamentos); funcionário pontual, mas homem irascível, sempre brigando com seus superiores; homem culto, mas inteiramente dedicado à sua enorme produção de obras, que só foram escritas para uso funcional ou para exercícios de música em casa.
A psicologia desse grande artista fica-nos fechada e não é possível verificar a evolução de sua arte, que começa e termina com obras-primas em vários estilos, escolhidos pelo mestre conforme necessidades exteriores. Em todo caso, J.S.Bach não é um devoto permanentemente ajoelhado nem um artifício de fugas, mas cultivou todos os gêneros (com exceção da ópera) com mesma mestria. J.S.Bach é o maior mestre da fuga e do contraponto, e no órgão superou a arte de Buxtehude.
J.S.Bach resumiu toda a arte musical polifônica dos séculos XVI e XVII e do início do século XVIII. Mas também sofreu, na melodia, a influência dos seus contemporâneos Couperin e, sobretudo, Vivaldi. Ficou alheio da nova arte homófona que começou e venceu em seu tempo. Em vida, foi J.S.Bach só apreciado como virtuose no órgão. Sua arte era cronologicamente confusa, numa época de predomínio da ópera italiana.
A mudança do gosto musical, por volta de 1750, com a nova música instrumental como a de seu filho Carl Philipp Emmanuel Bach e de Haydn, assim como a decadência do espírito religioso de sua época (J.S.Bach é contemporâneo de Voltaire) explicam a pouca irradiação de suas obras durante a sua vida e o esquecimento total depois de sua morte. Só O cravo bem temperado continuou sendo usado como obra didática.
Deve-se à Mendelssohn a redescoberta de J.S.Bach, que em 1829 regeu em Berlim a primeira execução pública da Paixão segundo São Mateus. Desde então, a glória de J.S.Bach não deixou de crescer. Seguiu-se a descoberta das obras instrumentais: Forkel a reeditou algumas obras, Spitta e o regente Mottl prestaram o mesmo serviço para a publicação das cantatas.Schumann e Brahms exaltaram a glória do ‘velho Bach’.
Na segunda metade do século XIX é J.S.Bach venerado, um pouco romanticamente, como grande antepassado. Mas só no século XX sua influência se torna viva e quase avassaladora, ao passo que muitas obras suas alcançam surpreendente popularidade. Enfim, fez-se justiça a um dos maiores artistas da humanidade. Sua arte é hoje considerada como o fundamento de toda a música.
Motetos - A primeira faceta de sua arte é arcaica, de um misticismo gótico, que se manifesta em motetos à capela, sem acompanhamento orquestral. J.S.Bach cultivou pouco esse gênero, já inteiramente obsoleto em seu tempo. Mas são obras-primas os motetos Jesus, minha alegria (1723) e Cantai um novo cântico ao Senhor (1730).
Órgão - Em primeira linha, J.S.Bach é um compositor barroco, isto é, sua arte musical enche espaço imaginários. O instrumento ideal para tanto é o órgão, e realmente J.S.Bach é o maior organista de todos os tempos. Suas obras para esse instrumento bastam para formar o repertório inteiro hoje em uso.
As Sonatas para órgão (6) são as melhores obras didáticas em existência, mas cada uma delas é artisticamente perfeita. É muito popular a Tocata e fuga em ré menor (1708-1717) e é especialmente famosa a Passacaglia em dó menor (1708-1717) depois, a Tocata e fuga em fá maior (1708-1717), a Fantasia e fuga em sol menor (1708-1717) e a gigantesca Tocata e fuga em tono dórico (1708-1717). São as obras-primas do gênio contrapontístico de J.S.Bach.
Enfim, o mestre resumiu sua arte organística num volume chamado Exercício para as teclas (1726-1731), de peças baseadas em corais luteranos, espécie de grandioso catecismo sem palavras. A fuga introdutória dessa obra é conhecida como Fuga de Ana.
Cantatas - Os motetos, assim como as obras organísticas, parecem especificamente nórdicos, em comparação com as cantatas, destinadas a serviços de tarde dos domingos. Pois nas árias, abundantemente melodiosas, dessas cantatas é evidente a influência da ópera italiana. Das centenas de cantatas que J.S.Bach escreveu, muitas se perderam. Subsistem 198, que são hoje as obras mais executadas da música barroca.
Para citar só as mais importantes: Tive muita preocupação BWV 21 (1714), Coração e boca e ação e vida BWV 147 (1716), com o famoso coro Jesus, alegria dos homens, a cantata para a festa da Reforma BWV 80 (1716-1730), O Cristo esteve à morte BWV 4 (1724), Quero sustentar a cruz BWV 56 (1731), Jesus quer minha alma BWV 78 (1740), Acordai BWV 140(1731), etc.
A numeração nada tem a ver com a cronologia e refere-se à ordem da publicação moderna das cantatas, nas quais tampouco é possível verificar evolução ou amadurecimento. Uma das maiores, Actus tragicus BWV 106, destinada a um enterro, é da mocidade do compositor, de 1707 a 1711.
J.S.Bach reuniu seis cantatas sobre textos natalinos para o delicioso Oratório de Natal (1734). Cantata também é uma das raras composições do mestre com letra em latim, o Magnificat(1723), que é realmente magnífico. Enfim, J.S.Bach escreveu várias cantatas com textos profanos e até humorísticos, como a Cantata do café (1732) e a Cantata dos camponeses (1742).
Grandes obras corais - As maiores obras corais do mestre são Paixão segundo São João (1723), a grandiosa Paixão segundo São Mateus (1729) e - caso estranho, tratando-se do maior compositor do protestantismo - a gigantesca Missa em si menor (1733-1738), obra sui generis, de espírito ecumênico.
Obras de música instrumental - Na música instrumental de J.S.Bach é evidente a influência de Vivaldi e também, nas obras pianísticas, a de Couperin. O número de obras-primas é tão grande que só algumas podem ser mencionadas: o Concerto para cravo em ré menor (1729-1736), os Concertos para violino em mi maior (1717-1723) e em lá menor (1717-1723), oConcerto para 2 violinos em ré menor (1717-1723), as Suítes orquestrais n.º 2 em si bemol menor e n.º 3 em ré maior, ambas de 1722, as deliciosas sonatas para cravo e violino e para cravo e flauta (1717-1723). Para cravo solo, as Suítes Inglesas (1725), as Suítes Francesas (1722), as partitas e o impressionante Concerto Italiano (1735).
Obras experimentais - Obras à parte são as experimentais, em que J.S.Bach consegue escrever polifonicamente para um instrumento de cordas: as Suítes para violoncelo solo (6)(1720), hoje famosas na interpretação de Casals, as sonatas para violino solo (1720) e a Suíte para violino solo n.º 2 em si bemol menor (1720), cujo último movimento é a famosaCiaccona.
Obras didático-monumentais - J.S.Bach reuniu em sua personalidade artística dois elementos contraditórios: o didático-sistemático e o monumental. Suas obras talvez mais perfeitas são aquelas em que pretende esgotar sistematicamente todas as possibilidades de um determinado gênero, construindo ao mesmo tempo estruturas monumentais. Os Concertos de Brandenburgo (6) (1721) são os exemplos mais perfeitos do gênero concerto grosso, e o monumento desse gênero, então já um tanto obsoleto.
As Variações de Goldberg, para cravo, dedicadas ao cravista desse nome (1742), são a primeira grande obra de variações da literatura musical. O cravo bem temperado (1722-1744), duas séries de 24 prelúdios e fugas cada uma, a "bíblia do pianista", é um curso prático da arte de escrever e tocar contrapontisticamente e, ao mesmo tempo, um manual completo do sistema tonal moderno.
Enfim, são monumentos da arte de escrever fugas a Oferenda musical (1747) e a Arte da fuga (1748-1750), que ficou incompleta. Essa última obra não está destinada a determinados instrumentos. É música altamente abstrata, que já foi diversamente instrumentada.
Projeção - J.S.Bach resume toda a arte polifônica dos séculos XVI e XVII e do início do século XVIII. Mas ficou alheio à nova arte homófona que começou e venceu em seu tempo. Assim como a decadência do espírito religioso em sua época (J.S.Bach é contemporâneo de Voltaire), explicam a pouca irradiação das suas obras durante sua vida e o esquecimento total depois de sua morte. Só O cravo bem temperado continuou sendo usado como obra didática.
Em 1829, Mendelssohn desenterrou e regeu em Berlim a Paixão segundo São Mateus, ressuscitando o velho mestre. Segui-se a descoberta das obras instrumentais e, enfim, a publicação das cantatas. Schumann e Brahms exaltaram a glória do "velho Bach". Na segunda metade do século XIX é J.S.Bach venerado, um pouco romanticamente, como grande antepassado. Mas só no século XX sua influência se torna viva e quase avassaladora, ao passo que muitas obras suas alcançaram surpreendente popularidade.
Quase todas as obras de J.S.Bach são hoje executadas com freqüência, de tal modo que algumas conquistaram divulgação internacional.
Concertos de Brandenburgo (6) - Seis concertos grossos, em fá maior, em fá maior, sol maior, sol maior, ré menor e si bemol menor. Escritos em 1721, sob a influência evidente deVivaldi, destiguem-se da arte do mestre italiano pela maior densidade polifônica e pela temática, que é em parte aristocrática e, em parte, folclórica alemã. Nesses concertos grossos, dos últimos que foram escritos no século XVIII, J.S.Bach eregiu um monumento ao gênero. Experimenta todas as combinações possíveis de orquestração e de polifonia instrumental. Embora sendo música absoluta, sem qualquer apelo a sentimentos extramusicais, os temas e aproveitamento dos temas sugerem extensa gama de emoções, de alegria, melancolia, meditação, ternura, brilho virtuosístico e de intensa energia mental. Esses concertos são a mais perfeita obra instrumental do mestre.
Arte da fuga - 19 fugas sobre um tema, cujo contra-sujeito é a seqüência melódica si bemol-lá-dó-si, isto é, em notação alemã, B-A-C-H. No fim da obra, que ficou em 1750 incompleta, encontra-se um coral. É uma obra-prima da arte contrapontística de J.S.Bach. É notada sem a indicação dos instrumentos que a deveriam executar. Das versões modernas, as mais conhecidas são para orquestra de câmara, de Wolfgang Graeser, e para dois pianos, de Bruno Seidlhofer.
Paixão segundo São Mateus - Escrita em 1729, obra colossal, de dramaticidade barroca e, no entanto, de devoção íntima. Além da parte do evangelista, recitativos maravilhosamente adaptados ao texto bíblico, e além das grandes árias e coros, são sobretudo notáveis os breves e incisivos coros do povo. É hoje, uma das obras mais populares do compositor.
Missa em si bemol menor - Escrita entre 1733 e 1738, dedicada ao eleitor (convertido ao catolicismo) da Saxônia. Não se trata, porém, de uma concessão feita pelo compositor luterano. O texto litúrgico é dividido em trechos curtos, de modo que se trata de uma coleção de cantatas. E as palavras "unam sanctam et apostolicam Ecclesiam" são compostas sobre as respectivas notas do cantochão gregoriano, indicando que se trata de uma obra espiritualmente anterior à separação das confissões pela Reforma. É a maior composição de texto que existe.
O cravo bem-temperado - 48 prelúdios e fugas para cravo, escritos em 1722 e em 1744. As dificuldades técnicas da execução e a riqueza inesgotável da polifonia inspiram, para essa obra, o apelido de "bíblia do pianista". Ao mesmo tempo, a obra esgota todas as possibilidades do sistema tonal moderno (daí o título "bem temperado"). É notável o fato de que a primeira parte foi escrita em 1722, no mesmo tempo em que Rameau publicou, para os mesmos fins, seu Tratado de harmonia (1722).

domingo, 24 de abril de 2011

Le Fantôme de l'Opéra (O Fantasma da Ópera)





Inspirado no livro Trilby, de George Du Maurier, o francês Gaston Leroux escreveu o romance Le Fantôme de l'Opéra (O Fantasma da Ópera), publicado pela primeira vez em 1910. Apesar de ter sofrido milhares de adaptações com o passar do tempo, tanto para o cinema quanto para o teatro, foi o famoso produtor musical britânico Andrew Lloyd Webber, em parceria com Charles Hart e Richard Stilgoe, que conseguiu fazer do romance uma das histórias mais conhecidas em todo o mundo. Sua versão, que estreou em West End, Londres, em 1986, o transformou em um dos compositores de maior influência do século XX.
Webber ousou variar gêneros em um mesmo contexto, construindo um ambiente que envolvesse horror, amor, ficção e tragédia em uma fantástica produção teatral. A história é densa, triste e provoca os instintos humanos, elementos fundamentais para o sucesso do musical. The Phantom of the Opera estreou no Majestic Theatre de Nova Iorque, na Broadway, em 1988.
O compositor errou, no entanto, em um único detalhe: o de entregar o papel da protagonista de The Phantom of the Opera à sua então mulher Sarah Brightman, cantora e dançarina. Ao horrível desempenho de Sarah, a crítica não conseguiu ser indiferente, muito menos piedosa, abalando fatalmente o casamento, que acabou em 1990.
Mas o show continuou e em 2006 a obra de Webber tornou-se a apresentação artística com o maior tempo de exibição da história.



O romance se passa no século XIX, na Ópera de Paris, e conta a estória de Christine Daaé, uma jovem humilde que tem a música na alma. O talento veio do pai, um violinista que ganhava a vida apresentando-se nas ruas e cuja morte levou consigo todo o entusiasmo musical de Christine. Porém, mesmo que relutante, a jovem decide entrar para o conservatório de Paris, mas não consegue progressos na vida artística.
Um dia, em seu camarim, ouviu uma voz – a mais bela voz que já tinha ouvido em toda sua vida – e acreditou que aquela era a voz do Anjo da Música, remetendo-a a uma estória infantil que seu pai contava quando ainda era criança. Mas a voz que escutara – e que trouxera novamente ao seu coração a alegria de cantar – não pertencia a nenhum anjo e sim a Erik, um gênio musical que também era arquiteto e ilusionista – nascido com uma terrível deformidade no rosto e que por isso vivia nos porões da Casa da Ópera, os quais tinha ajudado a arquitetar – um verdadeiro e imponente complexo construído em cima de um grande lençol de água subterrâneo.
E foi esse o lugar que escolheu para refugiar-se da sociedade por causa de sua incômoda aparência, o que o obrigava a usar uma máscara escondendo metade de sua face. Enquanto vivia nas fundações da Casa da Ópera usava de estratégias para assustar a administração e conseguir benefícios. Por isso ficou conhecido como “O Fantasma da Ópera”, fazendo com que muitas pessoas acreditassem que a Casa era assombrada.
Sem contato visual nem consciência de quem era ele, a jovem Christine era motivada pela voz de Erik, que a ajudava a desenvolver todo o seu potencial. Erik, então, apaixona-se por ela e a transforma-a em uma extraordinária soprano. Christine canta com a alma inspirada nas lições de seu misterioso tutor e projeta no palco toda a emoção e excitação de se envolver com voz com a qual fantasiava.





No entanto, a fascinação inocente que a jovem alimentava pelo fantasma era um inconsciente disfarce de um sentimento quase edípico, porquanto o fantasma trazia à memória as lembranças de seu velho pai que tanto amava. Era este o principal motivo que segurava Christine ao domínio de Erik, o fantasma.
Na verdade, o coração da jovem batia por um amigo de infância, com o qual se reencontra na Casa de Ópera, o tenor Raoul de Chagny. Quando Erik descobre o afeto entre os dois, sente-se traído por uma suposta ingratidão de Christine, transformando seu amor em uma assustadora obsessão.
O musical ostenta números impressionates: já foi montado em 25 países, ganhou 50 grandes prêmios do teatro, arrecadou mais de 5 bilhões de dólares e já foi visto por mais de 100 milhões de pessoas. Mas os números não param por aí, pois tanto a produção de Nova Iorque quanto a de Londres continuam em cartaz até hoje. The Phantom of the Operadomina a posição de maior espetáculo teatral de todos os tempos, ultrapassando o fenômeno “Cats”, também de Lloyd Webber, em todas as categorias.
Uma das últimas adaptações do romance foi feita para o cinema em 2004, pelo diretor Joel Schumacher, com roteiro do próprio Webber. O filme foi indicado ao Oscar pela categoria “Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia e Melhor Canção Original”.



sábado, 23 de abril de 2011

A mulher fatal na poesia - Obvious, um olhar mais demorado


Se para as artes fogem as intrigas que remoemos, poucos temas se mostraram sempre intrigantes e recrudescedores que o da mulher que, não fazendo parte da ética ou da bondade moral, se revela cruel, demoníaca, apavorante para, por fim, ser irresistível.
Na literatura clássica brasileira são vários os autores e obras que abordam a temática da mulher bestializada que por hora inspira fuga para, em outras, inspirar realmente o desejo. Os comportamentos ambíguos perante elas são muitos, ainda que no Romantismo é que tenham ficado mais patentes.
A professora francesa da Universidade de Toulouse-le-Mirail, Mirelle Dottin-Orsini, em A mulher a que eles chamam fatal vai traçar o panorama do cenário europeu em relação à mulher (passando pela concepção visceral do assunto por Bauldelaire): viam mulheres em toda parte, diz. As artes plásticas não se furtaram em multiplicar o ícone da mulher – idealizada, mas mulher – em todas as formas e representações de idéias, da Tecnologia ou da Ciência. Mas a reprodução excessiva não a tornava mais familiar segundo a autor, ao contrário, agia quase como um exorcismo. A partir da segunda metade do século XIX, a mulher não é mais a Musa, a Madona; ela agora provoca terror; é a filha de Satã, Eva pecadora, uma afronta em suas liberdades cada vez mais amplas.
É o início de uma mitologia que cultua esta entidade misteriosa e sedutora, que pode matar, que é ávida por sangue. Por vezes confunde-se com a figura da megera, talvez não tão favorecida de belos atributos, mas igualmente letal. Esta figura feminina mitológica é aquela que estraga a vida do homem, uma a depravada de imoralidade contagiosa, uma beldade de nefasto poder.
Com o tempo, o mito vira clichê e torna-se simplesmente um chamariz à venda de histórias, mas já está aceito e enraizado - guardando muito de sua essência original - nas escolas literárias brasileiras, tão influenciadas pelos conceitos europeus que faziam já parte de nossa cultura.
Em Álvares de Azevedo, a segunda fase do Romantismo, explora o caráter dual que teria esta mulher fatal: ao mesmo tempo suave e demônio. Destrói de forma sorridente, tortura o poeta com escárnios, mas este prossegue apaixonado.
(...)
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
Já em Castro Alves, a mulher fatal já está muito perto do inferno. Entrega-se à luxúria seduzindo a todos sem pudor, alimenta-se do sofrimento do que a ama, é o protótipo da vampira que fere muito além da troça; ataca a moral ignorando-a simplesmente, é fria e cruel diante do sofrimento do outro. Em Fabíola, ela é realmente essa assassina lasciva que rega as plantas com o sange do que deveria ser seu bem-amado:
Como teu riso dói... como na treva
Os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!
Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito...
Fabíola!... É teu nome!... Escuta é um grito,
Que lacerante para os céus s'eleva!...
E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores...
É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!
Também o conhecidamente frio poeta parnasiano foi vitima desta mulher sedutora mesmo entre os panteões gregos. Em Messalina, Olavo Bilac nos apresenta uma mulher uma mulher que vive entre as ruínas, imperiosa, nobre sobre toda a destruição que a orgia ao redor provoca. Messalina figura poderosa, fascina por sua beleza, sua libertinagem e pelo sangue que derrama, amedrontando.
Recordo, ao ver-te, as épocas sombrias
Do passado. Minh'alma se transporta
À Roma antiga, e da cidade morta
Dos Césares reanima as cinzas frias;
Triclínios e vivendas luzidias
Percorre; pára de Suburra à porta,
E o confuso clamor escuta, absorta,
Das desvairadas e febris orgias.
Aí, num trono erecto sobre a ruína
De um povo inteiro, tendo à fronte impura
O diadema imperial de Messalina,
Vejo-te bela, estátua da loucura!
Erguendo no ar a mão nervosa e fina,
Tinta de sangue, que um punhal segura.
Em Augusto dos Anjos encontramos a mulher fatal misturada aos traços chocantes que caracterizaram sua obra, como a exploração intensa do orgânico, do animal...tudo a ponto de provocar mesmo nojo aos caríssimos leitores. Em Versos íntimos, a figura feminina é destruidora por seu abandono violento, ela rejeita ferozmente o poeta não parecendo demonstrar sensibilidade alguma. Mas ainda que liricamente esbraveje impropérios contra ela, é possível identificarmos que a ingratidão e o abandono não foram suficientes para demover o eu-lírico da sedução que a mulher provoca. Torna-se um ícone o dizer: o beijo, amigo, é a véspera do escarro
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Assim, a mulher fatal pôde estar fortemente no imaginário literário brasileiro, em suas mais diversas facetas, todas destruidoras, assim como ocorrido na Europa. Concluindo com a mesma Dotin-Orsinni: a imagem da mulher fatal, complacente e gratificante no plano da arte, cristaliza de maneira espetacular a ambivalência da atitude masculina diante do feminino (e até aqui nada de novo): fascinação e repulsa, adoração submissa e ódio agudo (poderíamos dizer histérico?), desejo de aconchego e terror incontrolável.


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