quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

BOA NOITE!! > ATÉ OS PRÓXIMOS POST's... Hélio Diógenes Cambuí

Fantasmas e espelhos > Hugo Giazzi Senhorini


Os fantasmas não se olhavam em espelhos.

Vagavam pelos grandes corredores, pelas grandes salas e quartos, pelos jardins, flutuando em seus sofrimentos ininterruptos. O sofrimento dos mortos presos ao mundo dos vivos é perene, assim como, às vezes, o sofrimento dos vivos por alguns mortos. Mas, eles sabiam, não havia dor pior do que a do espelho. Um fantasma que visse seu reflexo atrás da película de vidro imploraria por mais uma morte.

Ninguém, vivo ou morto, jamais teve coragem de fuçar as escrituras, fazer experiências, tentar rituais ou banimentos que explicassem ou que curassem aquele fenômeno horrendo.

Quando algum dos fantasmas errava os caminhos de sua macabra peregrinação entre os espaços do casarão e eventualmente se encontrava com o grande espelho da antiga matriarca - o único que não pôde ser destruído pelas almas penadas -, os gritos de desespero eram ouvidos a longas distâncias. E para os outros fantasmas era até possível sentir um pouco da dor daquele espírito torturado por sua própria imagem, porque sabiam, por experiência própria ou por força de lenda, que aquela dor estava penetrando aquela alma com a maior agudeza do universo. Os ouvintes dos berros, se tivessem corpos, se arrepiariam.

Sempre que os fantasmas presenciavam alguma morte e podiam instruir algum pobre espírito novato, o Grande Aviso era este mesmo: “Nunca olhe para um espelho, fuja da possibilidade de ver seu reflexo”. Era como uma lenda universal que todos sabiam ser verdadeira. Os fantasmas não se olhavam em espelhos.

Às vezes, alguns vivos se encorajavam dentro dos territórios assombrados da grande mansão. Alguns pretendiam tomar e reformar o lugar para viver (pretensões sempre frustradas), outros, principalmente jovens, adentravam o escuro só pelo vibrar dos nervos. Em uma dessas aventuras, uma criança presenciou o encontro de um fantasma com seu reflexo. O garoto viu o espírito contorcer-se, gritando, como se estivesse sendo queimado por sua própria visão, como se um pequeno inferno estivesse tocando-o, vindo do outro lado do vidro. A alma urrava, e o sofrimento era exalado, como vapor, naquele quarto. O espírito evaporou numa nuvem de choro e agonia depois de minutos de tortura. A criança nunca mais falou sequer uma palavra em sua vida, e nunca mais sorriu. Seus olhos, até hoje, são mais apegados a uma visão desfocada para o horizonte do que a qualquer outra.

Os fantasmas não se olhavam em espelhos. Os reflexos lhes mostravam todos os seus mais porcos defeitos, suas maldades escancaradas, suas cicatrizes abertas, suas frustrações, suas máscaras quebradas, suas dívidas pendentes. Um choro constante, imortal. Os fantasmas não se olhavam em espelhos. Nunca suportariam. Sabiam que as almas, ao contrário do belo receptáculo de carne humano, são horríveis.

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A Roda da Vida - Janne Alves de Souza in Obvious



As horas voam, os dias passam, os anos se vão. O tempo, senhor da vida, segue, narcísicamente, sua marcha inefável em favor de si próprio. Segue em círculos na roda da vida, em que estamos todos nós que existimos, onde toda a existência está a dançar a dança do tempo. Tudo que existiu sempre existirá. Na roda da vida não há morte capaz de destruir a existência. A morte é apenas um ser que tira-nos do corpo a alma. Transforma seres animados em seres inanimados, sem alma. Na roda da vida nada morre, apenas move-se do seu lugar, transforma-se. O que antes era, já foi, não é mais. Mas não se pode dizer que não voltará a ser. Nunca se sabe. Quem saberá quando termina a dança do tempo na roda da vida? Terá fim? Quem poderá dar fim ao movimento transformador da dança do tempo na roda da vida?

Na roda da vida tudo passa, inclusive nada. Passam os dias e as horas, a lua e as estrelas, passa o mar, passa o céu e a terra, passa você e eu e todo mundo. Todas as coisas passam com o tempo, em par. Algumas passam com o vento, algumas passam com desalento. Algumas com sofrimento. Outras não passam nem com intento, nem co'a angústia, nem com juramento. Mas todas passam com o tempo. Será este nosso alento, que todas as coisas passem com o tempo? Até mesmo a saudade, a dor e o sofrimento? Fiz-me, a tempo, um juramento: jamais voltaria a dançar na roda da vida com o tempo. Tudo que existe em mim não passaria, então, com o tempo. O tempo passa fora de mim, mas dentro de mim não passa o tempo. Dentro de mim não passa o vento, não passa a angústia, a dor e o descontentamento. Não passa nem mesmo a vida, a saudade, tu, e o sofrimento. Dentro de mim não passa o tempo. Estou suspensa da roda da vida, não passo, eu, com o tempo.

Saí da roda da vida, deixei de dançar a dança do tempo para que você não passe. Tive medo de que você passasse, de que passasse tudo que encontrei na dança do tempo na roda da vida. Parei de dançar, deixei a roda da vida para não passar tudo que vivi, tudo que senti. Agora, não passa a dor com o tempo, não passa a saudade, não passa a angústia, não passa a aflição. Não passa você, não passa ninguém, não passa nada. O vazio não passa. A vida não passa. Nem a morte passa, não passa o tempo... as ruas não passam... nem o sol, o céu, o mar, o vento. O amor não passa, não passa a amizade. Nada passa. Anseio voltar à roda da vida e dançar a dança do tempo. Mas tenho medo de que tudo passe com o tempo. Passará o medo com o tempo também se eu voltar à roda da vida e dançar a dança do tempo? Passará a vida, a morte, o medo? Tudo passará? Certamente, eu passarei.



ALeia mais: http://lounge.obviousmag.org/megalomaniaca/2012/02/a-roda-da-vida.html#ixzz1luMi4Laz

Angústia - Rodrigo Della Santina in Obvious



Eu não suporto ver uma impossibilidade
Olhar-me nos olhos austera e fixamente
Como se o meu desejo fosse incoerente
E me servisse muito mais a realidade

Cotidiana de que se serve toda a gente.
Ora, o meu talento é a expressão da honestidade
Em que Deus se meteu ao criar a humanidade.
Não pode ser portanto aquele incoerente.

Mas descubro que o é. E o que acontece em mim,
Dentro de mim, comigo, é uma explosão total
E esquizofrênica da realidade em si:

O vergastar do vento muda a direção
Do meu desejo... E o que ora me resta, afinal,
É só para eu poder não me esquecer de mim.

Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/o_limiar_da_lucidez/2012/02/angustia.html#ixzz1lu9Xdhsy

Demissível - Rodrigo Della Santina in Obvious


Às vezes tenho ganas de matar a fera,
Que, como o fogo, ruge e se sacode inteira

Dentro aqui do meu ser intemporal. Eu quero,
Às vezes, num assomo de angústia, desespero,

Esquecer das minhas páginas em branco e andar,
Andar por uma via menos dura: achar

No corredor da consciência humana o som,
A minha voz reverberando outra canção.

Mas o meu coração é um soluçar discreto,
Um tique-taque eterno pendurado num prego

Duma parede do meu ser intemporal
Que, para respirar, sufoca, esgana o mal,

Arranca-o pela raiz. E essa realidade
Ressurgente, uma propaganda da verdade,

Convence-me a seguir em frente, sempre em frente...
O tempo... O tempo é o meu amor inteligente.
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J.S. Bach - Christmas Oratorio BWV 248 - Part I 'For the First Day of Christmas' - Mvt. I