quinta-feira, 30 de junho de 2011

A MÁGOA....by Chico Xavier

Love


Existem pessoas que se sentem ofendidas, magoadas por qualquer coisa: à mais leve contrariedade, sentem-se humilhadas... Ora, nós não viemos a este mundo para nos banhar em águas de rosas...

Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por elas, eu não teria saído do lugar... As facilidades impedem-nos de caminhar. Mesmo as críticas auxiliam-nos muito.

Quando você não tiver uma palavra que auxilie, procure não abrir a boca...

Sabemos que precisamos de certos recursos, mas o Senhor não nos ensinou a pedir o pão, mais dois carros, mais um avião... Não precisamos de tanta coisa para colocar tanta carga em cima de nós. Podemos ser chamados hoje à Vida Espiritual... Tudo que criamos para nós, de que não temos necessidade, transforma-se em angústia, em pressão...
Valorizemos o amigo que nos socorre, que se interessa por nós, que nos escreve, que nos telefona para saber como estamos indo... A amizade é uma dádiva de Deus ... Mais tarde, haveremos de sentir falta daqueles que não nos deixam experimentar solidão!

A caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma. Quando os espíritos nos recomendam, com insistência a prática da caridade, eles estão nos orientando no sentido de nossa própria evolução; não se trata apenas de uma indicação ética, mas de profundo significado filosófico...

Uma das mais belas lições que tenho aprendido com o sofrimento: Não julgar, definitivamente não julgar quem quer que seja. Tudo o que pudermos fazer de bem, não devemos adiar... Precisamos somar esforços, criando, digamos, uma energia dinâmica que se anteponha às forças do mal... Ninguém tem o direito de se omitir.

O exemplo é uma força que repercute, de maneira imediata, longe ou perto de nós... Não nos podemos responsabilizar pelo que os outros fazem de suas vidas; cada qual é livre para fazer o que quiser de si mesmo, mas não podemos negar que as nossas atitudes inspiram atitudes, seja no bem quanto no mal.
Fico triste quando alguém me ofende, mas, com certeza, eu ficaria mais triste se fosse eu o ofensor... Magoar alguém é terrível!...

Tudo tem seu apogeu e seu declínio... É natural que seja assim; todavia, quando tudo parece convergir para o que supomos ,o nada, eis que a vida ressurge, triunfante e bela!... Novas folhas, novas flores, na indefinida bênção do recomeço!...

METADE DE MIM.....by Ferreira Gullar



Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também 

Ferreira Gullar

terça-feira, 14 de junho de 2011

O TEU RISO (PABLO NERUDA), by Hélio Diógenes Cambuí



Tira-me o pão, se quiseres,

tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.



Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.



A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.



Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.



Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso, porque então morreria.

sábado, 11 de junho de 2011

Sermão do Mandato - Padre Antônio Vieira



“…sobre as palavras que tomei, tratarei quatro coisas, e uma só. Os remédios do amor e o amor sem remédio…”


No “Sermão do Mandato”, 1650, Vieira explicitou sobre o amor transcendente, infinito e incondicional que tudo perdoa, aceita e transforma.

Seu tema central é o amor divino, doação plena e incondicional, que nada cobra ou exige em troca e resume em quatro remédios. 

PRIMEIRO REMÉDIO:

O TEMPO



“Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.” 


SEGUNDO REMÉDIO:

AUSÊNCIA

  
“Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra? Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão? Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor. Os filósofos definiram a morte pela ausência: Mors est absentia animae a corpore. Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam, apartaram-se enfim, e, se tomardes logo o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas, e que saem da boca alguns suspiros, que são as últimas respirações do amor. Mas, se tomardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecimento, tudo frieza. Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.” 


TERCEIRO REMÉDIO:

INGRATIDÃO



“Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.”

QUARTO REMÉDIO:

O MELHORAR DE OBJETO


“Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.”

sexta-feira, 10 de junho de 2011

ATENÇÃO AO SÁBADO


Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.
No sábado é que as formigas subiam pela pedra.
Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho.
De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana.
Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é?
No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde.
Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais.
Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.
Domingo de manhã também é a rosa da semana.
Não é propriamente rosa que eu quero dizer.
Clarice Lispector (do livro "Para não Esquecer")

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Novo estudo mostra como a Inquisição usou o terror para manter o controle social, by Marcos Guterman – O Estado de S.Paulo












A Inquisição foi o triunfo da organização burocrática para o estabelecimento de uma atmosfera de terror que tinha como objetivo manter a sociedade sob controle político e ideológico feroz, em quatro continentes. Estabeleceu a culpa como algo inescapável, e quem ousasse resistir a isso enlouquecia em sessões de tortura ou ardia nas fogueiras “purificadoras”. Sobretudo, estabeleceu que o real não existia mais, senão como elaboração das autoridades eclesiásticas. Na visão do historiador britânico Toby Green, autor de Inquisição – O Reino do Terror (Objetiva), que acaba de sair no Brasil, os inquisidores seriam, nesse sentido, a “primeira semente” dos regimes de extrema direita que assombrariam o século 20. “A instituição da Inquisição implicava uma ideia nova de Estado e poder político”, disse Green em entrevista ao Sabático.
O livro de Green mostra que a função da autoridade, nesse contexto, é a de determinar a racionalidade dessa ficção construída pelo terror. Nada pode contrariar o ditado pela autoridade, por motivos óbvios: a contestação fere a tão desejada lógica. A autoridade se legitima por “conhecer” o subterrâneo, as mensagens subjacentes, o sistema invisível – e, portanto, é a única capaz de legislar. O desejo da autoridade deve ser interpretado como a verdade.
O interrogatório da Inquisição fazia o interrogado admitir a culpa sobre algo que ele muitas vezes nem imaginava o que fosse. O contexto do processo era inteiramente mantido em segredo, para que ao réu não restasse alternativa senão admitir como fato não a realidade, mas o que a autoridade inquisitorial afirmava ser a realidade. Tudo era elaborado para que houvesse a confissão “espontânea” – e a responsabilidade pela tortura era do torturado, porque resistiu à confissão.
O terror da perspectiva do suplício era um dos pilares do sistema. O outro era a onipresença da Inquisição, graças ao estímulo à delação, justamente o fator que gerava energia para o trabalho dos inquisidores – o ônus da prova cabia sempre ao acusado, e o réu era obrigado a apresentar testemunhas de sua inocência, enquanto o delator podia manter-se anônimo. Denunciar supostos hereges não era um direito, mas uma obrigação religiosa, que constava em “editais da fé”. Era, portanto, um sistema que se autoalimentava e que criou toda uma mise-en-scène, os “autos de fé”, para impressionar a arraia-miúda e legitimar sua ação. Não restava ao réu nenhuma alternativa senão admitir sua “culpa”, e então o circuito se fechava, conferindo a lógica perfeita ao discurso inquisitorial.
O interesse de Green, diante dessas constatações, é mostrar o aspecto que ele chama de “psicológico” da perseguição inquisitorial. É esse o trunfo que o britânico diz ter em sua abordagem, porque, segundo ele, a historiografia tradicional sobre o tema se centra na instituição da Inquisição e na tortura, enquanto o lado emocional “fica relegado pelos historiadores aos romancistas”.
De fato, a historiografia da Inquisição, grosso modo, está preocupada com as relações de poder e com o modelo legal aplicado aos réus dos processos. A reconstrução da mentalidade da época induziu Green a sugerir que “a Inquisição havia construído uma sociedade cada vez mais neurótica”, por causa da “repressão de instintos”. Questionado sobre se essa visão freudiana – isto é, um modelo teórico com a enorme carga de modernidade racional do início do século 20, fruto do “desencantamento do mundo” – não seria anacrônica para esquadrinhar um momento da história em que a religião era o centro do poder, Green rebate em duas frentes. Primeiro, argumenta que os óculos de Freud são “recursos legítimos para enxergar não somente o que aconteceu, mas por que aconteceu”, na medida em que identifica a reação da mente à repressão; segundo, ele contesta que a religião fosse central na Inquisição.
“A Inquisição tinha mais a ver com o poder do Estado, secular, do que com as leis de religião, que muitas vezes não tinham muita relação com as próprias normas da Inquisição”, explicou Green na entrevista. Em sua visão, o poder da Inquisição crescia ou declinava segundo o poder de ação dos monarcas – quanto mais os reis precisavam de controle e de riqueza, mais a violência inquisitorial se expandia. Esse perfil ficou claro principalmente com a Inquisição espanhola, instalada em 1478 e que só foi desmontada em 1834.
Nesse longo período, criou-se um sistema de invenção de inimigos para mascarar o declínio acelerado dos impérios ibéricos – a historiadora Anita Novinsky, principal estudiosa da Inquisição no Brasil, considera o próprio estabelecimento dos tribunais eclesiásticos como o sintoma central dessa decadência, cuja culminância foi a limpeza étnica, fatal para o desenvolvimento intelectual e econômico português e espanhol. Na opinião de Green, que incorpora o modelo teórico de Novinsky, a Inquisição “revela as origens do racismo moderno, ao escolher o caminho da limpeza do sangue, que é uma temática de suma importância para compreender a história do Estado moderno”.
De fato, há historiadores consagrados, como Raul Hillberg, que sustentam existir uma relação ideológica entre os éditos católicos a respeito do tratamento dos judeus ao longo da Era Moderna e as diversas leis nazistas a propósito da “pureza do sangue ariano”. É difícil não se dobrar às evidências que mostram que, tanto em um caso como em outro, “pureza de sangue” queria dizer exatamente a mesma coisa: sangue sem traços judaicos. Também não é possível escapar da sugestão segundo a qual a ubiquidade do terror era o esteio da coesão social desejada no nazismo quanto na Inquisição. Os menores detalhes do cotidiano eram objeto de paranoia, porque poderiam ser interpretados como traição ao projeto de “aperfeiçoamento” social e religioso, a partir de leis propositalmente confusas e arbitrárias. Somente as “autoridades” eram capazes de fornecer a lógica necessária para dar diretrizes racionais em meio a esse caos. Aos demais, restava aceder e renunciar à capacidade de refletir sobre o mundo.
Mesmo correndo o risco do anacronismo, Green diz que vale a pena explorar essas semelhanças. Ele admite que Torquemada – o mais emblemático inquisidor ibérico – e Hitler não podem ser comparados, mas “um pode ser a semente do outro”. E o historiador não se contenta com os nazistas. Ele sugere que os ditadores Francisco Franco, na Espanha, e Antonio Salazar, em Portugal, refletiam, de certa maneira, as mesmas profundas divisões sociais que a Inquisição passou séculos tratando de controlar.
O domínio de Salazar e Franco, na visão de Green, respeita a mesma lógica dos inquisidores – era preciso alimentar um inimigo interno para justificar o arbítrio, em nome de uma visão distorcida do mundo. Green não escreve, mas está claro que é uma referência aos atropelos jurídicos da “guerra ao terror” empreendida pelos americanos, movidos por um governo que dividiu o mundo em “conosco” e “contra nós”. “É um processo que toda sociedade expansionista tem experimentado”, disse Green. “O que a Inquisição mostra, e também a “guerra ao terror”, é que a busca de inimigos externos sempre pode acabar numa caçada aos inimigos internos. Por essa razão é algo tão perigoso.”

terça-feira, 7 de junho de 2011

O NÃO-RISO EM DOM QUIXOTE - Cacos de ludíbrio do humor

O NÃO-RISO EM DOM QUIXOTE - Cacos de ludíbrio do humor

Dom Quixote - Rosana Rocha
Desejo, por sinal, que você seja triste, não o ano todo, mas apenas um dia
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano”
(Victor Hugo)

Pouco há para se duvidar no fato de que um bom mergulho no humor abre portas de prazer. Divertir-se é apartar-se do inoportuno tédio oriundo da sisudez. Mas, como na inteireza de todo algo há metade de indubitável e metade de questionável, que venha o contraponto num trote de Roncinante. O riso é também no sempre um curioso exercício de disfarce. Um providencial pacto a favor do ócio íntimo. Firmar acordos com o que se acha superficialmente na graça é lenitivo que faz sucumbir essa indesejável e invasiva dor que é o discernimento. Muito se investiga, esmiúça e discute a respeito do que faz rir em uma obra de arte. O que é ludíbrio, entretanto, no mais das vezes voa rumo à distância no vento dos moinhos.
Há mecanismos de humor restritamente criados para fisgar o riso. Satirize-se o ponto fraco, deixe vir a pândega e cumprida está a tarefa. Há, contudo, sofisticados mecanismos de criação artística que são puro ludíbrio de humor. Nesse caso, o que verdadeiramente interessa como resultado para o criador-emissor-da-mensagem não é a fugacidade da resposta ao convite para o rir. O cintilante e engenhoso batente de comicidade que se destaca logo à entrada da obra construída tem apenas a função de desequilibrar o partícipe-receptor-da-mensagem. O intento é fazê-lo cair sem prevenções no concebido. E que nessa queda tudo se quebre, pois o que interessa mesmo como resultado final são os muitos cacos de não-riso que se espalharão pela percepção – consciente ou inconsciente – da “vítima” do desequilíbrio.
Nas artes plásticas, Miró nos despedaça em cacos de não-riso. O que inicialmente parece apenas um lúdico convite ao riso do olhar acaba por se traduzir numa abençoada noção da infinita possibilidade das formas. No teatro brasileiro, Nelson Rodrigues nos estilhaça em cacos de não-riso. A sofrível comicidade suburbana de seus personagens é mera e genial cilada emocional urdida para capturar as platéias de modo indefensável. Já no século XVII, entrementes, o clássico Don Quixote De La Macha, do espanhol Miguel de Cervantes, é primoroso testemunho de ludíbrio do humor.
É surpreendente a extensa camada de leitores que, mesmo tendo atravessado a obra atenta e afetuosamente, apenas a apresentam como um “romance divertidíssimo”. Dom Quixote – como o dizer português rebatizou – é desesperadamente muito mais não-riso do que riso. Sim, Cervantes quer a desatenção primeira provocada pelo “achar engraçado”. Não à toa, já no Prólogo do livro, trata de nos enredar a atenção de forma jocosa:
“Desocupado leitor, não preciso prestar aqui um juramento para que creias que, com toda a minha vontade, quisera que este livro, como filho do entendimento, fosse o mais formoso, o mais galhardo e discreto que se pudesse imaginar (...)”.
O ardil é simples força impulsionadora destinada ao desequilíbrio e a queda. São mãos nas costas do leitor que o lançam ao mais da narração. Desocupado de si mesmo, aquele que começara a ler cai no riso já tendo caído no abismo em que o autor espera proporcionar o esfacelamento do próprio riso.
Eis, desta feita, uma missão digna dos mais bravos cavaleiros do discernir: sentar-se à borda de cada página de Dom Quixote e catar os cacos de não-riso produzidos no entender. Inevitável será iniciar tal cruzada por outro caminho que não o da observação da construção imagética dos personagens. No princípio da leitura, a triste figura de Quixote parece querer nos impelir a um superficial e desatento riso de lástima.
“(...) que podia, portanto, o meu engenho, estéril e mal cultivado, produzir neste mundo, senão a história de um filho magro, seco e enrugado, caprichoso e cheio de pensamentos vários, e nunca imaginados de outra alguma pessoa?(...)”.
A acentuada magreza e todo o mais da decadência física do herói deixam logo claro o insucesso. E reza o crer comum que o insucesso não merece ser levado a sério.
Contentar-se com o riso dessa impressão é não se deixar ferir pelo caco do não-riso no qual cintila a compreensão de que a fragilidade é gene universal. Está no ser de qualquer ser, seja sua compleição qual for. Há magreza, secura e enrugamento na figura de toda a raça humana. A armadura com que Cervantes reveste o patético Quixote desnuda todo leitor em todo tempo e lugar.
A curiosa oposição que a fisionomia de Sancho Pança faz a do protagonista pressupõe logo de pronto um divertido jogo de antítese. O contraste para o mirrado só pode ser o avolumado. A imagem que contraria o alto só pode ser a do baixo. A constatação desses elementos induz ao sorriso ocre do sarcasmo. Há não-riso, porém, no perceber que o paralelismo estético é a mais evidente tradução da completa pluralidade da existência. Tudo só é tudo por ser constituído de muitos.
Aprofundar a queda com destino à psique dos personagens principais é ação ainda melhor que se manter sentado à borda do livro. Nada, então, impedirá o choque provocado pelo desabamento sobre os desvarios do personagem-título. Quão desconcertante é a loucura de Quixote! Nada, todavia, que não se resolva com facilidade. Um bom e infalível reconforto para abrandar esse desconcerto é rir piedosamente da pobre turvação mental do “malfadado” viajante.
Rir da loucura ajuda a enlouquecer a sanidade. Aquele que menospreza o que se supõe insano menos preza as camadas múltiplas de sua pretensa lucidez. O caco de não-riso encontrado nisso talvez seja um dos maiores legados que Cervantes deixou para as letras que vieram depois das suas. Prova tamanha na Literatura Brasileira é o intenso sussurro quixotesco que se ouve por entre as falas e condutas do machadiano Dr. Simão Bacamarte, “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas”.
Ainda no que tange à exposição da instabilidade emocional do Cavaleiro da Triste Figura, há algo que não pode deixar de ser considerado. Cabe especialmente a Sancho Pança o grande papel de agente do ludíbrio do humor. É justamente quando o personagem combate com rudeza e objetividade os devaneios de seu senhor que o autor convence o leitor a aceitar, sorridente, a poesia da loucura.
Somente a genialidade de um grande criador consegue nos seduzir a experimentar o doer do discernimento através do sorrir. A escolha por manter a consciência nesse processo, contudo, é particular.
Que não se compreenda esse texto, porém, como uma cruzada contra a fina sagacidade de se reagir ao cômico. Rir do que nos é proposto a rir é decididamente prova de inteligência. Entretanto, rir quando nos é sugerido o não-riso é sinal de devotada e triste obediência ao pacto com o ócio íntimo. Rir o riso raso é dizer “não eu”. Contudo, ler o silêncio dos cacos de ludíbrio do humor em Dom Quixote significa admitir o auto-reconhecimento ofertado como precioso regalo por Cervantes.
¨*¨
Carlos Correia Santos
Ensaio publicado na conceituada revista ASAS DA PALAVRA, número 20, editada pelo centro de Letras da Universidade da Amazônia (Unama). A publicação foi lançada em 2005, em comemoração aos 400 anos do livro DOM QUIXOTE.


The ‘Ride of the Valkyries’


Triumphal March from Aida by Giuseppe Verdi ; Metropolitan Opera House – Marcha triunfal da opera Aida

domingo, 5 de junho de 2011

Violeta Parra - Eu tenho de amar


Franco Corelli sings Nessun Dorma, by Hélio Cambuí



Ah leve toi soleil - Ópera - Juan Diego Florez

Gal e Caetano - Alguém cantando (Fantástico 1978)

Doris Day - Laura Macedo em 4 junho 2011

Doris Day, uma das atrizes e cantoras mais populares de Hollywood nas décadas de 50 e 60, lançará novo álbum, previsto para 5 de setembro de 2011, nos Estados Unidos e Inglaterra, após 17 anos de hiato musical.

Parece que a demora para conseguir lançar trabalhos musicais tem sido algo corriqueiro na carreira de Doris. Embora seu último álbum, "The love album", tenha sido gravado em 1967, só foi chegar às prateleiras das lojas 27 anos depois.


Imortalizada por dar voz aos sucessos "Que sera, sera" e "Secret love", a diva americana participou de dezenas de filmes hollywoodianos como "O homem que sabia de demais" (1956), de Hitchcock, e "Corações enamorados" (1954), ao lado de Frank Sinatra, e recebeu uma indicação ao Oscar por sua atuação em "Confidências à meia-noite" (1959). A loura também gravou mais 600 canções ao longo da carreira.

Defensora ferrenha dos animais, atualmente, a estrela de 87 anos se dedica à Doris Day Animal Foundation, criada em 1978.

 Enquanto o novo trabalho de Doris Day fica pronto, vamos matar saudades da Diva com os vídeos abaixo.