terça-feira, 28 de agosto de 2012

A NOITE DISSOLVE OS HOMENS, SENTIMENTO DO MUNDO, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


A noitedesceu. Que noite!Já não enxergo meus irmãos.E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate,nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.A noite caiu. Tremenda, sem esperança...Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.A noite é mortal, completa, sem reticências,a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes!nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...Os suicidas tinham razão.
Aurora, entretanto eu te diviso,ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascendere dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,adivinho-te que sobes,vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançamna escuridãocomo um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventesse enlaçam,os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdãosimples e macio...

Havemos de amanhecer.O mundo se tinge com as tintas da antemanhãe o sangue que escorre é doce, de tão necessáriopara colorir tuas pálidas faces, aurora.


“A noite dissolve os homens” é uma importante poesia de sentido sociológico e político, publicada em 1940, durante a fase inicial da Segunda Grande Guerra.Carlos Drummond de Andrade dedicou o poema ao pintor Cândido Portinari (1903 – 1962), que sempre lutou contra o totalitarismo do Estado Novo.O poeta através da criação de uma poesia engajada de alta qualidade lança-se contra as atrocidades do avanço nazi-fascista e apela pela solidariedade humana e social.O poema está constituído em torno de duas metáforas: a “noite” configurando o espaço da alienação das massas em relação à realidade histórica, social e política das ruas, espaço público, onde as contradições, tensões e conflitos de classe afloram em toda sua evidência, contrapondo-se com a metáfora “aurora”, simbolizando a grande esperança utópica ou comprometimento ideológico de paz.O poema inicia com uma exclamação, enfatizando o anseio e a emoção do eu lírico, e expressando-se em primeira pessoa do singular.Nesse primeiro momento, o poema é assinalado pela imagem sombria da noite, marcada pelo medo, desesperança e desespero, onde o eu lírico assume uma posição autocrítica e solitária, remetendo o leitor ao contexto histórico vigente (combate, campos, desfalecido, guerreiros, pátria, fardas, mundo fascista, sobreviventes, sangue).O poeta, assim evidencia a presença do caos provocado pela guerra, sem reticências, ou seja, sem escrúpulos, derradeira e extrema, sem solução. A noite termina com as pátrias, com o brilhantismo de uma farda, com o brilho da vida e com o amor entre os homens.

“A noite anoiteceu tudo... / O mundo não tem remédio... / Os suicidas tinham razão”.

O eu lírico emprega termos cognatos (noite anoitece), que funcionam como redundância, como ampliação e reiteração da ideia que se cria sobre a palavra noite. O pronome “tudo” apresenta o clímax dos efeitos da noite; depois disso, somente o suicídio.Entretanto, a partir da metáfora “aurora”:

“Minha fadiga encontrará em ti o seu termo, / minha carne estremece na certeza de tua vinda. / O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam, / os corpos hirtos adquirem uma fluidez, / uma inocência, um perdão simples e macio...”, este indivíduo, já cansado, encontra a expectativa por dias melhores, que chega a comover-se nessa certeza de que aqueles que sobreviverem se unirão pela paz, e seus corpos híspidos de comoverão no perdão e na candura.A aurora é a metáfora da esperança, opondo-se ao mundo fascista, frio e calculista, que avança na escuridão dessa noite como sendo um sinal determinante de dias melhores. A aurora é decisiva e propicia ao eu lírico vislumbrar uma perspectiva otimista de superação.

“Havemos de amanhecer. O mundo / se tinge com as tintas da antemanhã / e o sangue que escorre é doce, de tão necessário / para colorir tuas pálidas faces, aurora”.
Nesses versos, o autor se expressa na primeira pessoa do plural, sugerindo a polifonia, na certeza consciente de que há esperança da reconstrução de um mundo melhor. O homem deixa de ser solitário, como nos versos anteriores, para se tornar um ser pelo coletivo. É o eu poético manifestando as relações com o outro e brindando a paz.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Caravaggio, sua poética e seus seguidores - por Valquíria Rego em 13 de ago de 2012 às 04:28

Michelangelo Merisi da Caravaggio (Caravaggio, 29 de Setembro de 1571 – Porto Ercole, comuna de Monte Argentario, 18 de Julho de 1610) foi um pintor italiano atuante em Roma, Nápoles, Malta e Sicília, entre 1593 e 1610. É normalmente identificado como um artista barroco, estilo do qual foi o primeiro grande representante. Caravaggio era o nome da aldeia natal da sua família, do qual adotou-o como seu nome artístico.



A mostra de Michelangelo Merisi, mais conhecido como Caravaggio, por ser originário da aldeia Caravaggio, nos mostra diversas obras a respeito do cotidiano italiano da época. Suas pinturas remetem a iconografia usualmente sacra, inserida em seus quadros em uma poética encantadora.

De personalidade irascível, Michelangelo ficou conhecido por seu estilo “tenebrista”, com pinturas que concentram focos de luz no rosto de seus personagens com fundos negros e demonstram a realidade que o pintor queria nos propor.
O artista nos coloca um forte apelo dramático em seus quadros, como por exemplo, o quadro de São Francisco em que o mesmo segura uma caveira e se depara com a morte, - sua intenção é chocar, e mostrar a vida como ela realmente é - com os medos, angústias e agonias que nos cercam, nada é barrado.
A técnica empregada pelo mestre barroco é a do “chiaroscuro” ou “claro – escuro”, em que há o contraste de ambos.
Os objetos, as roupas dos personagens nos mostram bastante esta cena que o pintor queria nos propor com os drapeados fortemente marcados e os acessórios devidamente expostos em seus quadros traduzindo uma semântica realista.
Uma obra que a meu ver é de se contemplar é a da Medusa – personagem mitológica, conhecida pelos seus cabelos de cobra, que ao olharmos para ela supostamente nos transformaríamos em pedra.
Tal retrato nos mostra bem a forte iluminação em seu rosto, em que a mesma possui uma face de pânico, susto, medo, as cobras se encontram de uma maneira em que parecem circular pela cabeça da Medusa como se fossem “devorá-la”, é emblemática no que diz respeito a sua poética.
Pelo seu talento, Caravaggio recebeu muitas encomendas no século XVII, mas devido ao seu forte temperamento sua trajetória teve outros caminhos.
Em 28 de maio de 1606 Michelangelo matou um homem Ranuccio Tomassoni e foi obrigado a fugir desesperadamente.
Anos posteriores, aproximadamente em 1610 Caravaggio retorna a Roma com a intenção de ficar por lá,porém,foi detido em Palo para inspeções.Neste mesmo ano o artista não suportou,por estar exausto e febril faleceu na cidade de Porto Ecole ,no dia 18 de julho de 1610 aos 38 anos de idade.
E a exposição nos mostra este majestoso legado do artista traduzido em suas obras.

Seus seguidores –

Muitos pintores, seguiram o modo de pintar de Caravaggio, com a iluminação forte no rosto dos seus personagens contemplando esta cena com a luz forte e direta.
Giovani Baglione,Tommaso Salini,Gentileschi ,Carlo Saraceni e Orazio Borgianni são alguns expoentes que aderiram ao estilo “caravaggista” de pintar.
Aliás,como diz a curadora “Rossella Vodret” ,os dois últimos citados acima,utilizaram uma nova linguagem – sobretudo o uso da luz – aos modelos formais e de composição ligados à tradição do final do século XVI.”
Tais caravaggescos foram muito importantes para a difusão do estilo de Caravaggio,nos deixando traços imortais de suas obras.


Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/arterolandoproseando_e_musicando/2012/08/caravaggio-sua-poetica-e-seus-seguidores--.html#ixzz23kqUXbij



quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A Aparência e o Caráter - Eugênio Lara


"Preocupe-se mais com o seu caráter do que com sua reputação, porque o caráter é o que você é, e a reputação é o que os outros pensam de você."
John Wooden

As aparências enganam. Este ditado popular é mais profundo do que se imagina, principalmente na nossa sociedade de consumo, de massa, onde os valores morais, os princípios éticos cedem lugar a um pragmatismo desumano e cruel.
Não que a aparência não seja importante. Penso que, na declaração dos direitos humanos, deveria ser incluído o sagrado direito à beleza com todas as implicações necessárias. O acesso a cirurgias plásticas, por exemplo, deveria ser popularizado, ao invés de ficar restrito à elite e ser visto como algo fútil. O direito a uma cidade bonita, a espaços urbanos bem cuidados, a uma arquitetura digna deste nome, a programas televisivos tão elegantes quanto éticos, enfim, o direito ao belo e, quem sabe, como diria Kant, ao sublime.
Afinal, mesmo que a matéria seja sempre a mesma, imutável talvez em sua estrutura, a forma varia ao infinito, o formato evolui conjuntamente com a inteligência. Forma e estrutura, inteligência e matéria, evoluem, infinitamente, segundo a filosofia espírita. Espíritos mais elevados são bonitos, no formato e na estrutura, no conteúdo. Não é à-toa que no imaginário popular arcanjos e serafins sejam brancos, loiros, de olhos azuis e com asas esplendorosas. Todavia, nunca vi um anjo com cara de índio, negro ou mestiço. O nosso ideal de beleza ainda é o helênico, meio ariano, estereotipado pelos padrões fashion, oriundos do Primeiro Mundo.
Sempre achei o ideal de raça pura uma idiotice. Os mestiços são sempre mais bonitos. A miscigenação será sempre desejável em uma sociedade livre, aberta e democrática, conceito que não se aplica a muitos países desenvolvidos onde os segmentos sociais, étnicos, são estanques.
Os romanos, já em seu tempo, sabiam muito bem a importância da aparência. Um provérbio popular da época explicita bem isto: "A mulher de César, não basta somente ser honesta, tem que parecer honesta". Os romanos valorizavam muito a forma, mas esqueceram do conteúdo, do caráter.
Como diz o nosso amigo da epígrafe, nossa preocupação maior deveria ser com a modelagem do caráter. Não há estrutura que se sustente, por mais perfeita que seja, se nela estão pessoas sem caráter, sem preceitos morais, sem uma ética de princípios. A mudança do meio e do ser humano tem que ser concomitante. Querer apenas mudar o indivíduo, esperando que as estruturas assim se transformem é ingenuidade. E querer apenas mudar a estrutura sem mudar as pessoas é uma fantasia.
Em uma sociedade como a nossa, onde a imagem, a visibilidade, a aparência são tão valorizadas, fica difícil seguir na contramão desse tipo de princípio. Mas é justamente isso que o Espiritismo propõe. Ser espírita num mundo como o nosso significa ficar indignado 24 horas por dia com as injustiças, a exploração, a discriminação, com a extrema valorização da aparência, em detrimento do conteúdo. Trata-se de um desafio, possível de ser colocado em prática.

Subjugação - Manoel Philomeno de Miranda


Etapa grave no curso das obsessões, caracterizada pela perda do discernimento e da emoção, o estágio da subjugação representa o clímax do processo ultriz que o adversário desencarnado impõe à sua vítima, em torpe tentativa de aniquilar-lhe a existência física.


A perfeita afinidade moral entre aqueles que experimentam a pugna infeliz, traduz o primarismo evolutivo em que desenvolvem os sentimentos, razão pela qual acoplam-se, perispírito a perispírito, impondo o algoz a vontade dominadora sobre quem lhe padece a ferocidade, por cujo doloroso meio lapida as arestas remanescentes dos crimes perpetrados anteriormente.

A subjugação é o predomínio da vontade do desencarnado sobre aquele que se lhe torna vítima, exaurindo-lhe as energias e destrambelhando-lhe os equipamentos da aparelhagem mental.

Noutras vezes, a radiação'>irradiação mental perniciosa que lhe é descarregada com pertinácia, alcança-lhe a sede dos movimentos ou o núcleo perispiritual das células, provocando desconsertos que se transformam em paralisias, paresias e distúrbios degenerativos outros de variada etiopatogenia.

O perseguidor enceguecido pelo ódio ou vitimado pelas paixões inferiores longamente acalentadas, irradiaforças morbíficas que o psiquismo daquele que lhe infligiu a amargura assimila por identidade vibratória e se torna decodificada no organismo, produzindo os objetivos anelados pelo obsessor.

Em ordem inversa, a onda de amor e de prece, de envolvimento caridoso e fraternal, termina por encontrar receptividade tão logo o paciente se deixe sensibilizar, transformando-a em harmonia e saúde, bem estar e paz.

Todos os fenômenos ocorrem no campo das equivalentes sintonias, sem as quais são irrealizáveis.

Desse modo, a violência registrada nas agressões para a subjugação, somente encontra ressonância porcausa da afinidade entre aqueles que se encontram incursos no embate.

Normalmente o processo é lento e persuasivo, provocando danos que se prolongam no tempo, enquanto são minadas as forças defensivas para o tombo irrefragável nas malhas da pertinaz enfermidade espiritual.

O processo cruel da obsessão de qualquer matiz tem suas raízes sempre na conduta moral infeliz das criaturas pelo cultivar da sua inferioridade em contraposição aos apelos elevados da vida, que ruma para a Suprema Vida.

Enquanto permaneçam os Espíritos afeiçoados às heranças do estágio primitivo, mantendo o egotismo exacerbado, graças ao qual humilha e persegue, trai e escraviza, explora e infunde pavor ao seu irmão, permanecerá aberto o campo psíquico para as vinculações obsessivas.

Somente uma radical transformação de conceito ético entre os homens terrestres é que os mesmos disporão de recursos seguros para se prevenirem obsessões.

No entanto, porque vicejem os propósitos inferiores em predomínio em a natureza humana, sucedem-se as complexas parasitoses obsessivas.

Agravada pela alucinação do perseguidor, a subjugação encarcera na mesma jaula aquele que a fomenta.

Emaranhando-se nos fulcros perispirituais do encarnado, termina por fixar-se-lhe emocionalmente, permanecendo presa da armadilha que urdiu.

A subjugação é perversa maquinação do ódio, da necessidade de desforço a que se escravizam os Espíritos dementados pela falta de paz.

Cultivando os sentimentos primários e encerrando a mente nos objetivos da vingança cerram-se na sombra daignorância, perdendo o contato com a razão e a Divindade, enquanto não se permitem a felicidade que acusam de havê-los abandonado.

Ambos desditosos – o subjugado e o subjugador – engalfinhando-se na peleja sem quartel, não se dão conta que somente o amor consegue interrompê-la.

De tratamento muito delicado e complexo, o resultado ditoso depende da renovação espiritual do paciente, narazão em que desperte para a seriedade da conjuntura aflitiva em que se encontra. Simultaneamente, a solidariedade fraternal, envolvendo ambos enfermos em orações e compaixão, esclarecimentos e estímulos para o futuro saudável, conseguem romper o círculo vigoroso de energias destrutivas, abrindo espaço para a ação benéfica, o intercâmbio de esperança e de libertação.

A subjugação desaparecerá da Terra quando o verdadeiro sentimento da palavra amor for vivido e espraiado em todas as direções, conforme Jesus apresentou e vivenciou até o momento da morte, e prosseguindo desde a ressurreição gloriosa até aos nossos dias.


Jornal Mundo Espírita de Fevereiro de 2000

Transição do Planeta - Bezerra de Menezes



"Meus filhos:
Que Jesus nos abençoe
A sociedade terrena vive, na atualidade, um grave momento mediúnico no qual, de forma inconsciente, dá-se o intercâmbio entre as duas esferas da vida. Entidades assinaladas pelo ódio, pelo ressentimento, e tomadas de amargura cobram daqueles algozes de ontem o pesado ônus da aflição que lhes tenham proporcionado. Espíritos nobres, voltados ao ideal de elevação humana sincronizam com as potências espirituais na edificação de um mundo melhor. As obsessões campeiam de forma pandêmica, confundindo-se com os transtornos psicopatológicos que trazem os processos afligentes e degenerativos.
Sucede que a Terra vivencia, neste período, a grande transição de mundo de provas e de expiações para mundo de regeneração.
Nunca houve tanta conquista da ciência e da tecnologia, e tanta hediondez do sentimento e das emoções. As glórias das conquistas do intelecto esmaecem diante do abismo da crueldade, da dissolução dos costumes, da perda da ética, e da decadência das conquistas da civilização e da cultura...
Não seja, pois, de estranhar que a dor, sob vários aspectos, espraia-se no planeta terrestre não apenas como látego mas, sobretudo, como convite à reflexão, como análise à transitoriedade do corpo, com o propósito de convocar as mentes e os corações para o ser espiritual que todos somos.
Fala-se sobre a tragédia do cotidiano com razão.
As ameaças de natureza sísmica, a cada momento tornam-se realidade tanto de um lado como de outro do planeta. O crime campeia a solta e a floração da juventude entrega-se, com exceções compreensíveis, ao abastardamento do caráter, às licenças morais e à agressividade.
Sucede, meus filhos, que as regiões de sofrimento profundo estão liberando seus hóspedes que ali ficaram, em cárcere privado, por muitos séculos e agora, na grande transição, recebem a oportunidade de voltarem-se para o bem ou de optar pela loucura a que se têm entregado. E esses, que teimosamente permanecem no mal, a benefício próprio e do planeta, irão ao exílio em orbes inferiores onde lapidarão a alma auxiliando os seus irmãos de natureza primitiva, como nos aconteceu no passado.
Por outro lado, os nobres promotores do progresso de todos os tempos passados também se reencarnam nesta hora para acelerar as conquistas, não só da inteligência e da tecnologia de ponta, mas também dos valores morais e espirituais. Ao lado deles, benfeitores de outra dimensão emboscam-se na matéria para se tornarem os grandes líderes e sensibilizarem esses verdugos da sociedade.
Aos médiuns cabe a grande tarefa de ser ponte entre as dores e as consolações. Aos dialogadores cabe a honrosa tarefa de ser, cada um deles, psicoterapeutas de desencarnados, contribuindo para a saúde geral. Enquanto os médiuns se entregam ao benefício caridoso com os irmãos em agonia, também têm as suas dores diminuídas, o seu fardo de provas amenizadas, as suas aflições contornadas, porque o amor é o grande mensageiro da misericórdia que dilui todos os impedimentos ao progresso – é o sol da vida, meus filhos, que dissolve a névoa da ignorância e que apaga a noite da impiedade.
Reencarnastes para contribuir em favor da Nova Era.
As vossas existências não aconteceram ao acaso, foram programadas.
Antes de mergulhardes na neblina carnal, lestes o programa que vos dizia respeito e o firmastes, dando o assentimento para as provas e as glórias estelares.
O Espiritismo é Jesus que volta de braços abertos, descrucificado, ressurreto e vivo, cantando a sinfonia gloriosa da solidariedade.
Dai-vos as mãos!
Que as diferenças opinativas sejam limadas e os ideais de concordância sejam praticados. Que, quaisquer pontos de objeção tornem‑se secundários diante das metas a alcançar.
Sabemos das vossas dores, porque também passamos pela Terra e compreendemos que a névoa da matéria empana o discernimento e, muitas vezes, dificulta a lógica necessária para a ação correta. Mas ficais atentos: tendes compromissos com Jesus...
Não é a primeira vez que vos comprometestes enganando, enganado-vos. Mas esta é a oportunidade final, optativa para a glória da imortalidade ou para a anestesia da ilusão.
Ser espírita é encontrar o tesouro da sabedoria.
Reconhecemos que na luta cotidiana, na disputa social e econômica, financeira e humana do ganha-pão, esvai-se o entusiasmo, diminui a alegria do serviço, mas se permanecerdes fiéis, orando com as antenas direcionadas ao Pai Todo-Amor, não vos faltarão a inspiração, o apoio, as forças morais para vos defenderdes das agressões do mal que muitas vezes vos alcança.
Tende coragem, meus filhos, unidos, porque somos os trabalhadores da última hora, e o nosso será o salário igual ao do jornaleiro do primeiro momento.
Cantemos a alegria de servir e, ao sairmos daqui, levemos impresso no relicário da alma tudo aquilo que ocorreu em nossa reunião de santas intenções: as dores mais variadas, os rebeldes, os ignorantes, os aflitos, os infelizes, e também a palavra gentil dos amigos que velam por todos nós.
Confiando em nosso Senhor Jesus Cristo, que nos delegou a honra de falar em Seu nome, e em Seu nome ensinar, curar, levantar o ânimo e construir um mundo novo, rogamos a Ele, nosso divino Benfeitor, que a todos nos abençoe e nos dê a Sua paz.
São os votos do servidor humílimo e paternal de sempre,
Bezerra."
Mensagem psicofônica de Bezerra de Menezes (espírito) transmitida por Divaldo Franco
(13.11.2010 – Los Angeles)
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Sorriso - Memei


Onde estiveres, seja onde for, não olvides estender o sorriso, por oferta sublime da própria alma.

Ele é o agente que neutraliza o poder do mal e a oração inarticulada, que inibe a extensão das trevas.

Com ele, apagarás o fogo da cólera, cerrando a porta ao incêndio da crueldade.

Por ele, estenderás a plantação da esperança, soerguendo almas caídas na sombra, para que retornem à luz.

Em casa, é a benção da paz, na lareira da confiança.

No trabalho, é música silenciosa incentivando a cooperação.

No mundo, é chamamento de simpatia.

Sorri para a dificuldade e a dificuldade transformar-se-á em socorro de tua vida.

Sorri para a nuvem, e ainda mesmo que a nuvem se desfaça em chuva de lágrimas nos teus olhos, o pranto será conforto do Céu, a fecundar-te os campos do coração.

Não te roga o desesperado solução do enigma de sofrimento que lhe persegue o destino. Implora-te um sorriso de amor, que renove as forças, para que prossiga em seu atormentado caminho.

E, em verdade, se os famintos e os nus te pedem pão e agasalho, esperam de ti, acima de tudo, o sorriso de ternura e compreensão que lhes acalme chagas ocultas.

Não condenes as criaturas que se arrogaram aos precipícios da violência e do crime. Oferece-lhes o sorriso generoso da fraternidade, que ajuda incessantemente, e voltar-se-ão, renovadas, para o roteiro do bem.

Sorri, trabalhando e aprendendo, auxiliando e amando sempre. 

Lembra-te de que o sorriso é o orvalho da caridade e que em cada manhã, o dia renascente no Céu é um sorriso de Deus.

Paz Íntima - Victor Hugo (espírito)


“Para que uma conduta pacifista se estabeleça e 
predomine no homem, faz-se necessária uma 
vontade forte que promova a revolução interior, 
em violência contra si mesmo, através da revisão 
e reestruturação dos conceitos sobre a vida, 
assumindo uma posição de princípios definidos, 
sem titubeios nem ambigüidades escapistas.

Tomada essa conduta, a marcha se faz amena, 
porque o homem passa a considerar todos os 
sucessos do ponto de vista espiritual, isto é, da 
transitoriedade da existência corporal e da 
perenidade do Espírito.

Desse modo, muda a paisagem dos fenômenos 
humanos que, efeitos de causas profundas, 
devem ser examinados e corrigidos nas suas 
gêneses, antes que mediante a irrupção de novos 
incidentes, em razão das reações tomadas contra 
os mesmos.

Agir com lucidez ao invés de reagir pela força, é 
a conduta certa, porque procedente da razão, 
antes que decorrente do instinto-paixão 
dissolvente.

Não há outra alternativa para o ser inteligente, 
senão o uso da razão em todo momento e em 
qualquer ocorrência nas quais seja colhido.

A sua reação não pode ultrapassar o limite do 
equilíbrio, sustando o golpe que lhe foi desferido 
ou o amortecendo no algodão da misericórdia em 
favor de quem lho aplicou...

Mediante esse processo, ruem as barreiras da 
intolerância, e do ódio; acabam-se as distâncias 
impeditivas à fraternidade; apagam-se as 
mágoas; diluem-se os rancores, porque ninguém 
logra vencer aquele que a si próprio já se venceu.

Os ultrajes não o afetam; as agressões não o 
intimidam; a morte não o atemoriza, porque ele 
é livre, portador de uma liberdade que algema 
nenhuma escraviza ou aprisiona, nem cárcere 
algum limita...

É, portanto, imbatível, terminando por fazer-se 
amado, mártir dos ideais e das aspirações de 
todos. Pronto!”

Psicografia de Divaldo Franco.

domingo, 12 de agosto de 2012

Carmina Burana ~ O Fortuna | Carl Orff ~ André Rieu


Esperança - Emmanuel


"Porque tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança." - Paulo. (ROMANOS, 15:4.)

A esperança é a luz do cristão.

Nem todos conseguem, por enquanto, o vôo sublime da fé, mas a força da esperança é tesouro comum.

Nem todos podem oferecer, quando querem, o pão do corpo e a lição espiritual, mas ninguém na Terra está impedido de espalhar os benefícios da esperança.

A dor costuma agitar os que se encontram no "vale da sombra e da morte", onde o medo estabelece atritos e onde a aflição percebe o "ranger de dentes", nas "trevas exteriores", mas existe a luz interior que é a esperança.

A negação humana declara falências, lavra atestados de impossibilidade, traça inextricáveis labirintos, no entanto, a esperança vem de cima, à maneira do Sol que ilumina do alto e alimenta as sementeiras novas, desperta propósitos diferentes, cria modificações redentoras e descerra visões mais altas.

A noite espera o dia, a flor o fruto, o verme o porvir... O homem, ainda mesmo que se mergulhe na descrença ou na dúvida, na lágrima ou na dilaceração, será socorrido por Deus com a indicação do futuro.

Jesus, na condição de Mestre Divino, sabe que os aprendizes nem sempre poderão acertar inteiramente, que os erros são próprios da escola evolutiva e, por isto mesmo, a esperança é um dos cânticos sublimes do seu Evangelho de Amor.

Imensas têm sido, até hoje, as nossas quedas, mas a confiança do Cristo é sempre maior. Não nos percamos em lamentações. Todo momento é instante de ouvir Aquele que pronunciou o "Vinde a mim ..."

Levantemo-nos e prossigamos, convictos de que o Senhor nos ofereceu a luz da esperança, a fim de acendermos em nós mesmos a luz da santificação espiritual.

Wagner - Ride of the Valkyries


Elgar - Triumphal March


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Metade de Mim - Ferreira Gullar

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.
E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também

Questão de opção - Álisson da Hora

Paul Celan, em seu discurso O meridiano, proferido em ocasião do recebimento do Prêmio Georg Büchner, em 1960, nos diz que o poema é solitário e andante, mas também afirma que ele precisa viver o mistério do encontro. Para ele o poema precisa de um Outro e o quer ansiosamente.

O que isso quer dizer? Em o que tais palavras do Celan nos podem ser úteis?

Para mim, e para qualquer pessoa sensata, a busca de um antilirismo empreendida pelos concretistas, diziam eles baseada na poética substantiva do João Cabral de Melo Neto (fácil evocar um consagrado, não?) e levada às últimas consequências por meio de chaves léxicas, signos, acabou por engessar a poesia brasileira, e os poetas novos (talvez à exceção dos marginais, que estavam pouco se lixando para tais regras) ficavam temerosos de irem contra a maré e serem tachados impiedosamente de “bregas”.

Mas, se poesia é subversão, sempre, o público não se preocupou em se esforçar a entender as charadas concretistas. E, à revelia dos que queriam enxergar refinamento estético apenas naquilo prescrito pelos “entendidos”, os poemas continuaram a buscar pelo Outro. Não importasse se com recursos “ultrapassados”, “arrumadinhos”.

Os poemas são feitos e encontram sempre o seu eco.

Obviamente que neste mundo virtual que cria factoides com velocidade horripilante, aparecem cada vez mais “poetas”, sempre dispostos a disseminarem suas poéticas e aquererem se impor, justamente porque SÃO.

Não, não são. Até para utilizarem as ferramentas então consideradas ultrapassadas e exprimir algo mais do que o silêncio é necessário, paradoxalmente, silêncio. E bom senso para não desabar no abismo da verborragia e da pieguice.

Até porque hoje a ânsia em fazer poesia que alie cotidiano, com uma linguagem mista de estranheza e familiaridade, parece ser a tônica. É aí que percebemos quem é capaz de fazer isso sem descambar para um confessionalismo excessivamente cansativo e quem sabe que a poesia sempre é mais além, como imagens de música que rompem a transparência dos copos e dança nas janelas da brevidade. Letícia Coelho nos descreve isso:


Porque de breve
Só o tom…
A semi do quase
Que se atreve.

Breve é suspiro de quem quase falou…
O sorriso é contra alto,
Do tenor, o saxofone
Quase-amaldiçoado. 
Porque de breve
Só Lembranças…
(Bemol) 
Dó-Ré-Mi-Fá-Sol
Partitura remida
Azul é a página porque é sopro, Bendita!
Não bate na mão,
Não canta,
Não se batuca,
Duas pedras de gelo…
É tenor,
MusicaDor.

(É tenor – 3 de março, 2011)

Dizer-se “poeta por opção” pode causar reações inusitadas àqueles que sempre pensam que os poetas – via de regra – são naturais. Por mais que se insinue o dom, a opção sempre demonstrará que a preocupação em se ater ao seu ofício é o diferencial ao tipo de poeta que simplesmente crê que a inspiração aparece e põe pronto à sua mente o poema a ser escrito. A opção exprime o bom senso em acreditar na própria autocrítica, que se remexe nas entranhas do poeta, que respira fundo, na busca de suas palavras para tecer suas trovas:


Faço da trova a ponte dos pés
Açudes de carma futuro
Eu sei…
Difícil saber da giração do ponteiro
Se ler me causa dores nos músculos
A causa, divulgo:
É preciso abaixar para entender os rodapés.
*
*
E cansa mais que tijolo no lombo…
Poeta capacho se faz de saudoso
Dói o fígado a permanência no limbo
E se para/separa/amarra
E volta até a mesma página…
No máximo perturba o sono
E quem precisa dormir?
Se quem faz, está desperto do enjoo.
*
*
E trago mais um cigarro
Ajuda a respirar fundo,
Antagonismo perfeito… É justo
… Quando o fardo das entrelinhas
Invade chão e caminha
Rumo ao azul pesado
Das noites com pouca tinta.

(Muscular, 10 de fevereiro, 2011)

A opção em ser poeta nos mostra que a busca interminável pela Poesia passa pela luta entre o dizer e o calar. A consciência disso não existe em quem se acha “poeta natural”: o que sai em extrema profusão, sem uma disciplina que luta contra o paradoxo da subversão, geralmente desaparece diante de sua própria loquacidade. A poesia de Letícia Coelho, tão simples quanto trabalhada (e a simplicidade por vezes pede mais engenho), acorda para o papel ao relento, o silêncio que resta ao final de cada reflexão que é o escrever um poema:


Se acaba a terra,
Cai mundo, some chão, sumidouro…
Da palma do pé,
Coração de papel ao relento
Gravidade zerada…
De notas descoradas.

Se termina o ar,
Morre tudo… Tubos, doutos, conexão…
É vida partida, rima perdida
…Plana grão…
Estrelas despencam do céu
Não adianta, o perdão.

Se finda água,
Sedento mundo, anda…
Lágrimas esgotadas
Em passarelas de nariz
…Na lama, sorvendo, anda engasgada…
Sangue vomitado de chafariz.

Se vida da terra
Em compasso com ar,
Da água desperta
Fogo de mão…
Um só lamento,
Psiu… Silêncio…
Grito em ebulição.

(Se vida, 17 de janeiro, 2011)

Tal grito em ebulição seja aquele que nós emitimos contra os travesseiros ao final de algum pesadelo ou nos momentos em que nos faltam as palavras e tudo parece estar em descompasso. Somente um poeta que quer ser poeta, não o que se acha tal coisa, sabe o que é isso. Como diz o Rilke, sempre necessário, nas suasCartas a um jovem poeta, é o que, por mais que se crie a opção de deixar de ser, não se deixará de sê-lo. Diferentemente dos que encaram isso uma fase ou um arroubo, os que são poetas estão sempre em busca do Outro. O poeta, além de ser antena da raça, como pensava o Pound, é uma espécie de agregador, sempre preocupado em procurar seus iguais. E sempre preocupado em devassar as palavras, e mostrar aos incautos que a poesia não é um animal sem vísceras. Como também acharia tal coisa o Mário Quintana, também poeta por opção, a quem Letícia dedica o poema Poetasia:


E se não beija a lua, diz que mia…
Verbaliza o sol,
Poeta de tom pastel…
Que seria do teu dó, sem a ousadia?

{Porque poeta não nasce de parto
Nasce da rima na língua
Não morre de enfarto
Pois carrega o coração na tinta}

E se poeta a caneta não quisesse que fosse
Desintegraria de desgosto em cada sílaba
Desferia golpes em frases sabor agridoce
Arrancaria o osso da coluna da linha.

{ A gente reza para o santo gemido do silêncio
Que as vidas imperfeitas se mostrem
Para que brote o acaso no momento
E o desenho do perfeito, aflore.}

E se a lua do olho espirrar…
O eclipse do choro vinga
Cílios se dobram para amanteigar
O poeta vadio que abraça a moringa.

{ Porque das luas nos interessa o queijo
Das nuvens, o sonho condensado
Da boca… A poesia do beijo
E dos outros, o não informado passado}

E se não fosse a árvore, céu não existiria
O mar seria lodo de preces e pecados
E a poesia…
Ah, poesia… Seria lida por endoscopia.

(Poetasia, 22 de outubro, 2011)

Letícia (Losekann) Coelho é formada em pedagogia, mas é “poeta por opção”. Mãe do Lucas e esposa do David Nóbrega, atualmente se dedica integralmente a Editora Novitas em que é editora em parceria com seu marido. Participou do evento “Mesa para oito” na livraria da Vila em São Paulo (debate de poesias) com outros autores em Março de 2008. Participou, também, da coletânea da editora Komedi no ano de 2008 e lançou o livro: “Ensaios Amadores… Ou não”. Em 2009 participou da I Coletânea Scriptus – A livre escrita que foi o primeiro livro publicado de sua editora (Novitas). Organizou a exposição: “Porto Alegre: imagem e poesia” no CEEE Erico Veríssimo, onde foram convidados vários poetas a escreverem sobre a cidade, utilizando fotografias de David Nóbrega. Declamou Sophia de Mello Breyner Andresen no Instituto Cultural Português em Porto Alegre. Em 2010 participou do e-book “Apenas o necessário” e esse ano publicará o livro de poesias Numérica. Além do seu blog pessoal, Letícia colabora nos blogs Scriptus Est e Bordel Bordado, e está no twitter.

Walquíria - Isabella Kantek



O revólver era calibre cauteloso. E as viagens que eles faziam, desassossegos. Walquíria estava grávida. Nove disparos de uma solidão intermitente. Seus homens, dois. Enfermeiro Francisco e marido José. Infelizes os níqueis que antecipavam a derrota dos seus, porque Walquíria tinhas planos e fez desejos.
As gravatas foram cinzas e o vestido, um branco-breu. Resíduos. Os convidados sentaram-se no banco de madeira do pátio do estabelecimento. Suas expressões, cavidades sedadas de espanto. A boca arregalada. E o padre que era improvisado. Bonifrate o seu nome. Aconteceu desse modo, a clínica liberou a noiva e o enfermeiro veio num ajuste galhardo. O casamento há treze anos em estado de remissão.
E ela tinha delírios, distúrbios mal-aventurados e cegos de existência. Desde a pequena infância.
José trabalhava na farmácia da Rua da Glória e constantemente viajava nos finais de semana, carregando Francisco junto, porque desenvolveu estranhamentos e receios que cresciam umbilical. O enfermeiro nunca contestou, também Walquíria nunca replicou. As pílulas desciam pelo esôfago como num conto triste. E o silêncio testemunhava a falência da intimidade.
Houve o dia da mudança da lua. Afastamento dos corpos. Os dois se prepararam para a viagem consagrada, enquanto ela no sofá causava sorte, redonda. Francisco se aproximou com o remédio na palma da mão dissimulada. Olhou para ela e sorriu oco. Walquíria fez crer que engoliu o engodo enquanto o escondeu no governo da língua. A lua invadia e plantou a pílula no vaso de flor. Regou com desconfiança.
Revirou a casa mas não encontrou vestígios sobre os dois, contra ela. A casa era de madeira e inundava imagens. Walquíria conhecia o triângulo e alguns nãos familiares. Seus delírios vieram, perseguições sanguinárias. E ela correu de si mesma com as mãos que escondiam o seu rosto. Assim, a bolsa rompeu e as cólicas vieram desconforme. Viscerais.
Deitada no chão da cozinha sentiu o azulejo e suas cores. Um português insípido. Sozinha, eram remotas as suas vinganças. E urrou José, rugiu Francisco, mas o intervalo de tempo e a distância, inalcançáveis. Pariu abandonada querendo que eles estivessem por perto. Querendo saber o paradeiro dos dois. Alguns espinhos são cravos.
Ocorreu que eles soubessem do nascimento a data. Francisco devia saber, reconhecer os sinais, já que a lua era popular para todos. Nesse caso, foi planejado, José.
Com o bebê gritando nos braços fez o que melhor podia e cortou o cordão com a tesoura da cozinha. Cortou também os seus laços e as fotos do casamento que penduraram na parede da sala. Plasma. A criança recém-nascida repousava no seu colo com os olhos ainda exilados do mundo. Walquíria amamentou e o leite que desceu era segregado. O bico do seio começava a doer estilhaçado e o útero girava epopéias. A mulher estava fraca e arrumou um jeito de caminhar até o quarto com o bebê enrolado em uma toalha. O tecido trazia as inscrições da clínica onde Walquíria havia passado a maior parte da sua vida. Dispositivos da loucura. Lembrou-se da arma. E da vida em camadas bipolares. Lembrou-se das punições. E do uso dos prazeres. De tudo aquilo que ela não sabia sobre si mesma, induzida a pensar.
O barulho do motor na garagem correu navalha e o medo cresceu no peito de Walquíria lentamente, sem ruído. O revólver velado entre os corpos dormentes. Eles entraram na casa e o espaço compreendido entre o passo de um e outro era o rosto do bebê.

http://www.imaginariopoetico.com.br/isabella-kantek-walquiria/

Händel Water Music ''Wassermusik'' Suite No.3 in G major, HWV350


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

MY WAY - RUBEN SIMEO


Virá a morte e terá os teus olhos - Cesare Pavese


Virá a morte e terá os teus olhos
esta morte que nos acompanha
da manhã à noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã,
um grito emudecido, um silêncio.
Assim os vejo todas as manhãs
quando sobre ti te inclinas
ao espelho. Ó cara esperança,
nesse dia saberemos também nós,
que és a vida e és o nada.

Para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e terá os teus olhos.
Será como deixar um vício,
como ver no espelho
re-emergir um rosto morto,
como ouvir lábios cerrados.
Desceremos ao vórtice mudo.

Cesare Pavese (tradução de Jorge de Sena)

Um hemisfério numa cabeleira - Charles Baudelaire




«Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos, mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água duma nascente, e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar.
Se tu pudesses saber tudo o que eu vejo! tudo o que eu sinto! tudo o que eu ouço nos teus cabelos! Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.
Os teus cabelos contêm um sonho inteiro, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas adoráveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera tem o perfume dos frutos, das folhas e da pele humana.
No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto a formigar de canções dolentes, de homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas recortando as arquitecturas finas e complicadas sob um céu imenso onde se pavoneia um calor eterno.
Nas carícias da tua cabeleira, encontro os langores das longas horas passadas sobre um divã no camarote dum belo navio, embaladas pelo arfar imperceptível do porto, por entre os vasos de flores e as bilhas que refrescam a água.
No lume ardente da tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado com ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas praias acetinadas da tua cabeleira, embebedo-me com os odores combinados de alcatrão, de musgo e de óleo de coco.
Deixa-me morder longamente as tuas tranças pesadas e negras.
Quando mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que devoro recordações.»

Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D’Água, Lisboa, 1991.,p.49/50