sábado, 10 de março de 2012

O perfume das maçãs > Eli Boscatto



Não adianta tentar reter o tempo. Ele escorre entre os dedos das mãos e deságua lá longe na imensidão da memória, deixando pelo caminho grandes e pequenos fragmentos de imagens, sabores e...os aromas! aqueles cheiros que nos fazem lembrar de momentos, lugares e pessoas.

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Ah! os aromas da infância! Se por acaso sinto algum, sou imediatamente remetida no tempo. Cheiro de café torrado, de bolo no forno, de pudim de pão, de mato recém cortado, de terra molhada; cheiro de Natal. Chego a pensar que nossa memória está localizada no nariz.
No jardim havia gerânios, antúrios, margaridas, todo tipo de folhagens. Mas me lembro muito de um pé de dama da noite porque sua flor só se abria ao anoitecer e deixava o ar impregnado com seu perfume mágico, daqueles que você fica aspirando para sentí-lo melhor.  
E o perfume das maçãs? Lembro que achava as maçãs muito bonitas, não eram comuns como a banana e a laranja, vinham embrulhadas uma a uma num papel de seda azul. Além das maçãs, tinham as uvas. Mas as maçãs eram especiais, vermelhas, saborosas e cheirosas. Por essa época também comecei a ouvia dizer que a maçã era a fruta símbolo do pecado original. Mas se o pecado era uma coisa ruim, como a maçã podia representar o pecado? Ficava imaginando como seria um "pé de maçã" cheinho delas.

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Não dá para descrever o prazer que era cheirar uma maçã antes de mordê-la. Não sei se perdi o sentido do olfato ou se ele mudou. Agora o Natal não tem mais aquele cheiro especial. Mas como pode a maçã ter perdido seu aroma? Teria sido imaginação? Descoberta de criança?
Do aroma das maçãs, só restou a lembrança. O prazer de comer uma maçã já não é o mesmo. Agora o cheiro mais comum que se impregnou em minhas narinas é o de uma estranha mistura de fumaça e concreto...e aquele aroma gélido do ar condicionado.
Teria eu perdido a sensibilidade do meu olfato?

Mayra Andrade > Stória


Zadok the Priest — Choir of Westminster Abbey


Handel: Water Music, Suite I


Bruch Violin Concerto 3rd Movement


Vivaldi - Documentary


Florbela > Eunice Pimentel




Encontro-me a breves momentos após ter assistido a estreia do filme “Florbela” de Vicente Alves de Ó, com a atriz Dalila Carmo como protagonista, Albano Jerónimo como Mário, o segundo marido de Florbela e Ivo Canelas como Apeles, o irmão, a sombra, o fantasma eternamente presente.
Após a separação violenta do primeiro casamento, Mário recolhe Florbela na sua casa de Matosinhos, perto do mar, mar este que a perturba: dia e noite, dia e noite o mar. Casam-se, mas Florbela não se adapta aquela vida calma, silenciosa e no dia em que recebe uma carta do irmão Apeles, corre para Lisboa ao seu encontro.

Perturbador é o adjetivo que encontro para definir aquilo que sinto. Não que estivesse à espera que fosse diferente. Sabia que seria, queria que fosse exatamente assim: perturbador. Não podia ser de outra maneira, afinal trata-se do retrato íntimo de parte da vida desta que foi a “poetisa eleita”, um nome marcante do painel da poesia portuguesa do século XX.
No silêncio inicial, em fundo negro do pensamento os versos do soneto “Eu”

“Eu sou a que no mundo anda perdida
Eu sou a que na vida não tem norte.”

A partir daqui tudo pode ser deduzido, até por aqueles que não a conhecem verdadeiramente, que leram apenas um soneto ou outro, que ouviram apenas a musicalização do poema “Ser poeta” dos Trovante. Tudo pode ser deduzido: insatisfação, perdição, inquietude, dor. Dor. Dor. “A dor é precisa para saber que se está vivo” diz-lhe Apeles após a sua morte trágica num acidente de aviação. Engolido pelo Tejo, levou com ele a alma de Florbela. Vê-o surgir nas ondas do mar em Matosinhos como um herói que espera, na espera da salvação de si.
Incompreendida, mulher demasiado mulher para o Portugal retrograda do fim da I República, Florbela tenta. Tenta ser a esposa ideal, a filha ideal, a irmã ideal, falha. Tenta ser mãe, falha. Tenta ser contida e tenta ser feliz, falha. Tenta amar e satisfazer-se, falha. Estas falhas sucessivas, esta contenção de fachada encaminham-na para a derradeira perdição, para a busca da morte e escreve-lhe “Morte, minha Senhora Dona Morte/Tão bom que deve ser o teu abraço!”
Toda a sua vida foi repleta de sofrimento, de dor extrema, elevada ao máximo. Nada a satisfazia. Nada. Nem o amor, nem a gente, nem grito, nem lágrima. Nem poema. Poema. Nem palavra. Palavra. Nada. Alma errante feita do extremo, do pleno ou do vazio. Do vazio em pleno.
Entre a realidade e o sonho, os poemas surgem. Não os comanda, surgem. Rejeita-os. Para ela aceitá-los seria a aceitação da sua própria indefinição, da sua própria loucura. Culpa-os. São os culpados da sua dor e infelicidade. Para os outros, os seus poemas são a mestria das palavras, a exteriorização absoluta do “eu” inquieto, insatisfeito, angustiado. A elite intelectual de Lisboa procura a poetisa, reconhecem-na e ao longo do filme a súplica imperativa: “Escreve! Escreve! Escreve!” Escrever seria prender Florbela à realidade, à sanidade, à vida.

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