«Perguntou-me o que é que eu escrevia nos livros. Respondi-lhe que me escrevia a mim. Escrevo-me. Escrevo o que existo, onde sinto, todos os lugares onde sinto. E o que sinto é o que existo e o que sou. Escrevo-me nas palavras mais ridículas: amor, esperança, estrelas, e nas palavras mais belas: claridade, pureza, céu. Transformo-me todo em palavras.» José Luis Peixoto
sábado, 28 de dezembro de 2013
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
terça-feira, 19 de novembro de 2013
A Fragilidade dos Valores - Friedrich Nietzsche, in 'A Genealogia da Moral'
Todas as coisas «boas» foram noutro tempo más; todo o pecado original veio a ser virtude original. O casamento, por exemplo, era tido como um atentado contra a sociedade e pagava-se uma multa, por ter tido a imprudência de se apropriar de uma mulher (ainda hoje no Cambodja o sacerdote, guarda dos velhos costumes, conserva o jus primae noctis). Os sentimentos doces, benévolos, conciliadores, compassivos, mais tarde vieram a ser os «valores por excelência»; por muito tempo se atraiu o desprezo e se envergonhava cada qual da brandura, como agora da dureza.
A submissão ao direito: oh! que revolução de consciência em todas as raças aristocráticas quando tiveram de renunciar à vingança para se submeterem ao direito! O «direito» foi por muito tempo um vetitum, uma inovação, um crime; foi instituído com violência e opróbio.
Cada passo que o homem deu sobre a Terra custou-lhe muitos suplícios intelectuais e corporais; tudo passou adiante e atrasou todo o movimento, em troca teve inumeráveis mártires; por estranho que isto hoje nos pareça, já o demonstrei na Aurora, aforismo 18: «Nada custou mais caro do que esta migalha de razão e de liberdade, que hoje nos envaidece». Esta mesma vaidade nos impede de considerar os períodos imensos da «moralização dos costumes» que precederam a história capital e foram a verdadeira história, a história capital e decisiva que fixou o carácter da humanidade. Então a dor passava por virtude, a vingança por virtude, a renúncia da razão por virtude, e o bem-estar passivo por perigo, o desejo de saber por perigo, a paz por perigo, a misericórdia por opróbio, o trabalho por vergonha, a demência por coisa divina, a conversão por imoralidade e a corrupção por coisa excelente.
terça-feira, 29 de outubro de 2013
sábado, 19 de outubro de 2013
terça-feira, 1 de outubro de 2013
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
domingo, 1 de setembro de 2013
A falsa polidez - Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'
As ofensas, que na verdade consistem sempre na exteriorização da falta de consideração, colocar-nos-iam bem menos fora de nós mesmos se, por um lado, não nutríssimos uma representação tão exagerada do nosso elevado valor e da nossa dignidade - portanto, um orgulho desmesurado - e, por outro, se estivéssemos bastante cientes daquilo que, via de regra, no fundo do coração, cada um crê e pensa dos outros.
Que contraste flagrante entre a susceptibilidade da maioria das pessoas à mais ténue alusão de censura a seu respeito, e aquilo que ouviriam de si, caso surpreendessem as conversas dos seus conhecidos! Deveríamos, antes, ter em mente que a polidez habitual é apenas uma máscara burlesca; desse modo, não gritaríamos tão alto todas as vezes que esta fosse deslocada ou retirada por um breve instante. Todavia, quando se torna de facto rude, é como se tivesse despido todas as suas roupas e se postasse de nós in puris naturalibus (nu em pêlo). Decerto, assim o fazendo, desempenha uma figura bastante feia, como a maioria dos homens nesse estado.
sábado, 31 de agosto de 2013
sábado, 24 de agosto de 2013
domingo, 11 de agosto de 2013
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Baroque Concerti from The Netherlands De Fesch, Groneman, Hurleb
domingo, 4 de agosto de 2013
quarta-feira, 31 de julho de 2013
sábado, 27 de julho de 2013
domingo, 23 de junho de 2013
domingo, 2 de junho de 2013
domingo, 26 de maio de 2013
Como um cometa que encontra um assobio no universo - Joana Espain in Mallamargens
o corpo pouco equilibrado já mergulhado
lembra o salto de gigante
era a vida a fechar-se duas vezes
três quartos de olhar à superfície
e um aviso para não resistir do outro lado
que afinal talvez existam
as hierarquias dos anjos
um reflexo turvo na água
desenhava os seus mortos
as ruas que voavam para trás
as mãos que com elas se afastavam
talvez numa só hora
deslocada para o lado com cuidado
que na direcção de arrancar uma hora
todas as forças a imobilizam
perante o fundo de um olhar
em marcha silenciosa
as horas passadas acenam
à medida que vão ganhando rasto
e alguma beleza em serem ultrapassadas
a marcha parece mais lenta
relativa a um comboio que se vai despenhar
apenas três sinais possíveis ao silêncio
(os mesmos que existem no fundo do mar)
o sinal de regresso
e as horas passadas imóveis
estancadas à volta daquela pequena insistente
que tão bem dançava
um sambinha à superfície
sem perguntas nos bicos dos pés
(aquela hora feliz submissa ao rasto
como um cometa que encontra um assobio no universo)
aquela hora era feita de sopro ao acaso
talvez mais leve que o ar
e ali se interpunha ao mergulho
como o zumbido de uma mosca
à hora da morte
lembra o salto de gigante
era a vida a fechar-se duas vezes
três quartos de olhar à superfície
e um aviso para não resistir do outro lado
que afinal talvez existam
as hierarquias dos anjos
um reflexo turvo na água
desenhava os seus mortos
as ruas que voavam para trás
as mãos que com elas se afastavam
talvez numa só hora
deslocada para o lado com cuidado
que na direcção de arrancar uma hora
todas as forças a imobilizam
perante o fundo de um olhar
em marcha silenciosa
as horas passadas acenam
à medida que vão ganhando rasto
e alguma beleza em serem ultrapassadas
a marcha parece mais lenta
relativa a um comboio que se vai despenhar
apenas três sinais possíveis ao silêncio
(os mesmos que existem no fundo do mar)
o sinal de regresso
e as horas passadas imóveis
estancadas à volta daquela pequena insistente
que tão bem dançava
um sambinha à superfície
sem perguntas nos bicos dos pés
(aquela hora feliz submissa ao rasto
como um cometa que encontra um assobio no universo)
aquela hora era feita de sopro ao acaso
talvez mais leve que o ar
e ali se interpunha ao mergulho
como o zumbido de uma mosca
à hora da morte
quinta-feira, 23 de maio de 2013
"A intensidade do olhar lançou areia e memória à paralisia" by José Antônio Cavalcanti
Chegou tenso e com uma cor esverdeada no rosto ao restaurante à beira-mar. Duas baleias marcavam duas da tarde no relógio azul além areia. Pôde vê-las atrás das ondas e da cortina de atletas e ciclistas na pista da avenida Atlântica. Nuvens pesadas eram rasgadas pelo sol, os trapos cinzas se desmanchavam preguiçosamente no varal do horizonte em reconstrução. Olhos pregados na biografia de Marighela quando, no meio da décima linha da página 356, Lilith emergiu da piscina dos sonhos perdidos. Trazia uma harpa de argila e fios de ouro abaixo de seus olhos de tempestade. A intensidade do olhar lançou areia e memória à paralisia do leitor atordoado. Lilith sentou-se amistosa, palavras soltas ao vento, direta e incisiva, sacudindo os cabelos e a vida do homem de óculos tortos. Ele nada sabia sobre as fogueiras secretas que nela nunca cicatrizaram; míope e desatinado, ampliara por cegueira e falta de gentileza o próprio deserto, cortara em finas fatias camadas de afeto, polvilhando-as de sal e luto.
Alojados um frente ao outro, após uma longa pausa e um tremor na língua, o homem decidiu-se: – Garçom, por favor, traga em duas bandejas de prata os seios de Penélope e a cabeça de Helena de Troia.
Então, Lilith, com astúcia de assassina, voltou-se em direção ao mar para ver, comovida, o navio de Ulisses afundar lentamente. Pudesse olhar em outra direção, teria observado dois olhos em escombros afundando-se nela até tocarem o céu ou o chão.
sábado, 18 de maio de 2013
Delírios - Tamiris Maróstica - Mallamargens
De palavras tantas, me basto. De olhares outros, julgamentos teus e repreensões deles, bastam as já existentes. Em discernimentos cá-lá-d’onde mais houver, chega, não há mais espaço para repetições, para hábitos cinestésicos de outrora e modelos emocionais vencidos. Chega! Bastam todos os rótulos apodrecidos. Sirva-me um café sem cafeína, sem açúcar, sem a temperatura quente e sem a coloração característica, isso sim me bastará.
O céu que hoje se constitui é de um azul-desconhecido, tão vivo e tão cheio de vida que é como se toda a vida em vivência estivesse com ele, longe, e aqui na terra já não houvesse mais nada que se pudesse poetizar em maior beleza que a composição deste céu. Confio meu olhar a ele, junto das minhas pequenas viagens cerebrais e também daquelas vazias de imagens racionais. Mas sou dele, queria ser dele, escorrer em nuvens translúcidas e borradas, sem nada, apenas seguindo a espiral que não demonstra fim nem finitudes.
Lá vem as gaivotas, todas tão esbeltas e de um perfil ereto e atento. Mas hoje não vai chover e sequer estamos na praia para vê-las correr em desespero prevendo manifestações aguais futuras. Estamos em um lugar cinzento, vazio e desabitado, que dispõe apenas de um teto azul distante. Mas lá se vai o sol e o pôr-dele, assim como as gaivotas em debandada.
sexta-feira, 17 de maio de 2013
domingo, 12 de maio de 2013
segunda-feira, 6 de maio de 2013
domingo, 28 de abril de 2013
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Os girassóis de ontem - Tiago Fabris Rendelli
Não suporto mais essa saudade hasteada em todos os detalhes do meu dia, destrinchando-me com seu anzol afiado.
Quero me livrar das imagens desgastadas que tenho e esquecer dessas muitas mãos sempre ocupadas com fantasmas. Em delírio vou fecundando minhas brechas com esse novo eu que desejo.
Não tenho terras infecundas, confesso, apenas largadas à traça.
Degusto meu veneno lentamente e caio na vala rasa da razão: é preciso matar a saudade para que uma outra saudade nasça. Primordial é se entregar ao fluxo do tempo, ter o coração seco - traço oco que me sustenta - imprimir ao final um ritmo sem furor, uma prece sem vontade e pastar da grama verde do descaso.
E matar o amor do fruto esperançoso em gerar nova vida.
E perder de vez a vacina final para essa pandemia de abandono na qual existo.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
sábado, 20 de abril de 2013
Olinda - Carlos Pena Filho
"De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
A linha do horizonte.
As paisagens muito claras
Não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
Ou claridade somente.
Olinda é só para os olhos,
Não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro
Diz somente: é lá que eu vejo.
Tão verdágua e não se sabe
A não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
Mas porque não se vê mais.
As claras paisagens dormem
No olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
Só se reúnem na ausência.
Limpeza tal só imagino
Que possa haver nas vivendas
Das aves, nas áreas altas,
Muito além do além das lendas.
Os acidentes, na luz,
Não são, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
Nem há mar, nem céu, nem velas.
Quando a luz é muito intensa
É quando mais frágil é;
Planície, que de tão plana
Parecesse em pé."
PENA FILHO, Carlos (1983). Os melhores poemas. São Paulo, Global Editora.
Abraça-me - Joaquim Pessoa - Portugal
Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.
Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'
Nostalgia do Presente - Jorge Luís Borges - A Cifra - Argentina
Naquele preciso momento o homem disse:
«O que eu daria pela felicidade
de estar ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de repartir o agora
como se reparte a música
ou o sabor de um fruto.»
Naquele preciso momento
o homem estava junto dela na Islândia.
Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amar
de estar ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de repartir o agora
como se reparte a música
ou o sabor de um fruto.»
Naquele preciso momento
o homem estava junto dela na Islândia.
Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amar
sexta-feira, 19 de abril de 2013
segunda-feira, 15 de abril de 2013
domingo, 14 de abril de 2013
segunda-feira, 8 de abril de 2013
sexta-feira, 22 de março de 2013
domingo, 10 de março de 2013
quinta-feira, 7 de março de 2013
domingo, 3 de março de 2013
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
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