segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O VALOR DOS CLÁSSICOS - Agostinho da Silva

Dando à palavra o seu mais amplo domínio não podemos encerrar o clássico na estreiteza das escolas e nos limites do tempo; antes o haveremos de tomar como uma raça de espírito, capaz de fazer surgir os seus representantes nos lugares mais diversos e nas mais distantes épocas; e, se quiséssemos seguir este rumo, ainda haveria a discutir se na realidade se trata de qualidades inatas, não modificáveis por uma acertada educação, ou de um grau determinado de cultura, de um valor que seria possível medir na escala ascendente do imperfeito ao perfeito; isto é, teríamos que lhe encontrar idêntica solução à que proporíamos para os problemas que levanta a existência de culturas inferiores; a luta vai desencadeada entre os partidários da circunvolução defeituosa ou da completa estrutura e os que se inclinam às virtudes da escola. Mas o que mais nos interessa por agora é acentuar que não é inútil restringirmos o conceito de clássico, ligá-lo com laço definido a um tempo pretérito; os autores clássicos seriam assim como as ilhas que emergem do grande mar do tempo; desfizeram-se as rochas mais friáveis, caíram nos fundos os milhões de vidas que sulcaram as águas, perderam-se as terras que os vulcões com ímpetos de fogo e os estrondos que abalavam o mundo tinham feito surgir à superfície; ficou somente o que soube resistir aos ventos e às ondas e lhes ofereceu alicerce seguro e rocha viva; o que foi lento e calado no nascer e tranquilo na defesa dos embates; o que pôde e soube também ir revestindo a construção primitiva com as sementes que os ares lhe traziam; o que teve a capacidade bastante para admitir as novas invenções e para abrigar todos os sonhos e projectos de uma vida contínua; numa breve palavra, o que se mostrou duradouro e fecundamente acolhedor. 

Agostinho da Silva, in 'Considerações'