quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Enigma-Sensual Mix (1) > sem palavras...

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Yves Bonnefoy > Poemas e Poesias


A poesia de Yves Bonnefoy é marcada por uma busca, sem trégua nem concessões, do "vrai lieu" (lugar verdadeiro) - esperança, sempre a preceder a palavra -, da unidade a ser reencontrada. Aceitação do limite, da finitude e da morte que conduz ao encontro, na outra margem, das coisas simples em que revive a manifestação do ser: a moradia, a luz, o fogo, a pedra, a folhagem, a neve, o amor.

Sua obra poética já foi traduzida para mais de vinte idiomas e é reconhecida pela crítica como comparável ao que de melhor se produziu na França em todos os tempos.

(comentário do livro Obra Poética com tradução 
e organização de Mário Laranjeira publicado pela 

A Abelha, a cor.

Cinco horas.
O sono é leve, em manchas na vidraça.
O dia vai buscar na cor a água fresca,
Cascateante, da noite.

E é como se a água se simplificasse
Sendo luz ainda mais, que tranqüiliza,
Mas, o Um rasgando-se na perna escura, vais
Perder-te onde bebeu a boca na acre morte.

(A cornucópia com o fruto rubro
Ao sol que vai girando. E o barulho todo
De abelhas dessa impura e doce eternidade
No tão próximo prado ainda tão ardente).

A FALA DA NOITE

O país do princípio de outubro só tinha
Frutas a se rasgar no chão, seus passarinhos
Chegavam a soltar gritos de ausência e pedra
No alto flanco curvado vindo rumo a nós.

Minha fala da noite,
Çomo uva de um outono tardio tens frio,
Mas o vinho já queima em tua alma e eu encontro
Meu só real calor: teu verbo fundador.

A nave de um findar de outubro, claro, pode
Vir. Saberemos misturar as duas luzes,
Ó minha nave iluminada em mar errante.

Clarão de noite perto e clarão de palavra,
— Bruma que subirá de toda coisa viva
E tu. meu rubescer de Limpada na morte.

O GAVIÃO

Já faz muitos, muitos anos,
Em V.,
Vimos o tempo vir diante de nós
Que estávamos a olhar pela janela aberta
Do quarto acima da capela.
Era um gavião
Voltando ao ninho no oco da parede.
Segurava no bico uma serpente morta.
Quando nos viu
Deu um grito de cólera e de angústia pura
Mas sem largar a presa e, imóvel
Na luminosidade da alva,
Formou com ela o próprio signo
Do princípio, do meio e do fim.

E havia ali
No país de verão, bem rente ao céu.
Muitos vasos, cerrados; e de cada um
Erguia-se uma chama; e cada chama
Tinha uma cor outra, que soava,
Vapor ou sonho, ou mundo, sob a estrela
Dir-se-ia uma faina de almas, esperadas
Num trapiche na ponta de urna ilha.

Pensava estar ouvindo palavras, ou quase
(Quase, seja por falta ou por excesso
Da enferma potência da linguagem),
Passar, como se fosse um tremer do calor
No ar fosforescente que fazia unia
De todas essas cores de que algumas
Me pareciam, longe, ser desconhecidas.

Eu as tocava, elas não queimavam.
Eu estendia a mão, não, não pegava nada
Desses cachos de fruta outra que a luz.

O POÇO

Escutas a corrente a bater na parede
Quando o balde desce no poço que é a outra estrela.
Vésper às vezes, solitária estrela,
Fogo sem raio as vezes a esperar à alva
Que saiam o pastor e suas reses.

Mas sempre a água está presa, no fundo do poço.
A estrela fica sempre ali selada.
É possível ver sombras, sob os galhos.
São viajantes que de noite passam

Curvados, carregando às costas massa negra,
Hesitantes, diria, numa encruzilhada.
Uns parecem que esperam, outros se apagam
No faiscar que vai sem luz.

A viagem do homem, da mulher é longa, mais longa do que a vida,
É uma estrada no fim do caminho, um céu
Que se pensou ter visto brilhar entre as árvores.
Quando o balde toca a água, que o levanta,
É uma alegria, então a corrente o esmaga.

A NEVE

Ela chegou de bem mais longe que as estradas,
Ela tocou o campo, o ocre das flores,
Com essa mão que escreve com fumaça.
Ela ao tempo venceu pelo silêncio.

A luz é mais intensa nesta tarde
Devido à neve.
Parece até que as folhas ardem, frente à porta,
E a lenha recolhida está com água.

UMA PEDRA

Tenho sempre fome desse
Lugar que nos foi espelho,
Das frutas curvadas dentro
De sua água, luz que salva,

E gravarei sobre a pedra
Lembrança de que brilhou
Um círculo, fogo ermo.
Acima é rápido o céu

Como ao voto a pedra é fechada.
Que buscávamos? Talvez
Nada, a paixão só é sonho.
Nada pedem suas mãos.

E de quem amou uma imagem,
Por mais que o olhar deseje,
Fica a voz sempre partida,
É a palavra toda cinzas.


(tradução: Mário Laranjeira)