Infelizmente, vou percebendo que a necessidade de “impor limites”, como se diz com tanta freqüência hoje em dia, é mais radical do que eu mesmo, que nunca fui banana com meus filhos (7 e 5 anos agora), sempre acreditei.

Embora eu tenha agido com bons resultados, na grande maioria das vezes em que as crianças andaram abusando da birra e da falta de educação, as coisas nos últimos tempos andaram meio sem controle.

Não que tenha havido grandes cenas de desobediência e agressão (pelo menos, não quando eu estava por perto). Mas o cotidianozinho das relações entre os irmãos andou chatíssimo nos últimos meses. Provocações sem sentido e disputas a troco de nada, de cinco em cinco minutos, podem muito bem ser classificadas de “normais”. Mas são um teste para a paciência de qualquer um.

E, de qualquer modo, não acho nada normal que irmãos com tão pouca diferença de idade sejam incapazes de brincar, por um tempo curto que seja, ou mesmo de conversar amigavelmente um com o outro.

Cheguei do escritório outro dia, e encontrei os adultos da casa com os nervos em pandarecos –tal a quantidade de briguinhas e chateações entre os dois irmãos. Falta de generosidade, implicância mútua, esforços de reconciliação desprezados por um dos envolvidos... Ora essa.

Ouvi sem surpresa o “relatório” da manhã. Certamente, já havia repreendido comportamentos desse tipo inúmeras vezes. Mas, como eu estava meio de mau humor, não esperei demais para fazer meu número repressivo.

Uma frasezinha nada grave de um menino contra o outro –“eu sei assobiar, você não consegue”—deu o pretexto para minha reação. Disse com fria seriedade que “isso não interessa. Não interessa a ninguém.”

Ou seja, dei o chamado “limite” antes mesmo que a gravidade da situação justificasse a bronca (nível 6 numa escala de zero a dez). Continuei no mesmo tom: “não quero um milímetro de provocação por aqui”. Nem sei se eles sabem o que é milímetro.

Funcionou –o estouro preventivo foi ameaçado mais vezes durante o dia, a propósito de minúsculas ameaças de chatice.

E, pela primeira vez em anos, os dois irmãos se trataram direito. Um se propôs a ajudar o outro a se enxugar depois do banho. Não discutiram sobre qual música deveria ser ouvida no CD do carro. Um fez questão de escolher a música que o outro desejaria. Estávamos no Palácio de Buckingham.

“Vamos ser amigos para sempre?”, um perguntou, e o outro respondeu que sim.

Claro que não serão. Não o tempo todo. Fiquei esperando que tudo “voltasse ao normal”, depois de passado o susto com a bronca. Mas as coisas continuaram bem. No dia seguinte, vi os dois sozinhos na sacada do apartamento, conversando sobre um assunto qualquer.

Perguntei-lhes se não achavam que a vida deles mesmos não ficava mais fácil dessa maneira. Disseram que sim; veremos.

O importante do caso, entretanto, foi que mais uma vez percebo o acerto de “cortar rente”. O limite, ou seja lá que nome tenha, deve ser imposto antes que todos estejam intoxicados de chatice –pois nesse momento uma bronca pode ser apenas o pretexto para novas reações de agressividade e de pirraça.
Numa palavra: quando se pensa em "dar limite", é que o limite já foi ultrapassado.