sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Walquíria - Isabella Kantek



O revólver era calibre cauteloso. E as viagens que eles faziam, desassossegos. Walquíria estava grávida. Nove disparos de uma solidão intermitente. Seus homens, dois. Enfermeiro Francisco e marido José. Infelizes os níqueis que antecipavam a derrota dos seus, porque Walquíria tinhas planos e fez desejos.
As gravatas foram cinzas e o vestido, um branco-breu. Resíduos. Os convidados sentaram-se no banco de madeira do pátio do estabelecimento. Suas expressões, cavidades sedadas de espanto. A boca arregalada. E o padre que era improvisado. Bonifrate o seu nome. Aconteceu desse modo, a clínica liberou a noiva e o enfermeiro veio num ajuste galhardo. O casamento há treze anos em estado de remissão.
E ela tinha delírios, distúrbios mal-aventurados e cegos de existência. Desde a pequena infância.
José trabalhava na farmácia da Rua da Glória e constantemente viajava nos finais de semana, carregando Francisco junto, porque desenvolveu estranhamentos e receios que cresciam umbilical. O enfermeiro nunca contestou, também Walquíria nunca replicou. As pílulas desciam pelo esôfago como num conto triste. E o silêncio testemunhava a falência da intimidade.
Houve o dia da mudança da lua. Afastamento dos corpos. Os dois se prepararam para a viagem consagrada, enquanto ela no sofá causava sorte, redonda. Francisco se aproximou com o remédio na palma da mão dissimulada. Olhou para ela e sorriu oco. Walquíria fez crer que engoliu o engodo enquanto o escondeu no governo da língua. A lua invadia e plantou a pílula no vaso de flor. Regou com desconfiança.
Revirou a casa mas não encontrou vestígios sobre os dois, contra ela. A casa era de madeira e inundava imagens. Walquíria conhecia o triângulo e alguns nãos familiares. Seus delírios vieram, perseguições sanguinárias. E ela correu de si mesma com as mãos que escondiam o seu rosto. Assim, a bolsa rompeu e as cólicas vieram desconforme. Viscerais.
Deitada no chão da cozinha sentiu o azulejo e suas cores. Um português insípido. Sozinha, eram remotas as suas vinganças. E urrou José, rugiu Francisco, mas o intervalo de tempo e a distância, inalcançáveis. Pariu abandonada querendo que eles estivessem por perto. Querendo saber o paradeiro dos dois. Alguns espinhos são cravos.
Ocorreu que eles soubessem do nascimento a data. Francisco devia saber, reconhecer os sinais, já que a lua era popular para todos. Nesse caso, foi planejado, José.
Com o bebê gritando nos braços fez o que melhor podia e cortou o cordão com a tesoura da cozinha. Cortou também os seus laços e as fotos do casamento que penduraram na parede da sala. Plasma. A criança recém-nascida repousava no seu colo com os olhos ainda exilados do mundo. Walquíria amamentou e o leite que desceu era segregado. O bico do seio começava a doer estilhaçado e o útero girava epopéias. A mulher estava fraca e arrumou um jeito de caminhar até o quarto com o bebê enrolado em uma toalha. O tecido trazia as inscrições da clínica onde Walquíria havia passado a maior parte da sua vida. Dispositivos da loucura. Lembrou-se da arma. E da vida em camadas bipolares. Lembrou-se das punições. E do uso dos prazeres. De tudo aquilo que ela não sabia sobre si mesma, induzida a pensar.
O barulho do motor na garagem correu navalha e o medo cresceu no peito de Walquíria lentamente, sem ruído. O revólver velado entre os corpos dormentes. Eles entraram na casa e o espaço compreendido entre o passo de um e outro era o rosto do bebê.

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