sábado, 14 de maio de 2011

Vigília - Misty



As estrelas desenham-se frágeis num teto opaco de reminiscências. Perscruto através das paredes as poucas vozes que nos restam. De ti, apenas um gesto, o teu melhor, como sempre. Saiba eu acolhê-lo também da forma de toda a sua plenitude, e guardá-lo preciosamente numa caixa junto ao coração. 

As estrelas desenham-se sem suporte. Instalam-se no céu e nas esplanadas da rua escura, atrapalhadamente. Dei-lhes o teu nome, e uma página de diário em branco para elas habitarem sossegadas. Do outro lado da folha, uma estrofe vertida pelos teus lábios numa tarde de há demasiados dias. Em hipérbole, obviamente, como devem ser todas as cartas dos amantes.

Visto-me das cores das folhas de Outono, que não chegaram ainda. Amanhã de manhã já vou beijar as tuas mãos, e as estrelas ficarão à porta à nossa espera. Fá-las-emos esperar, como sempre? Desta vez talvez fique lá dentro mais um pouco, semi-escondida no meio dos teus braços e das faixas de música, até que a maior parte das pessoas tenham já partido para outro fuso horário. E as folhas de Outono virem andorinhas e o céu seja o de primavera vaidosa e febril.

Creio que alguém devia escrever alguma coisa acerca das estrelas a flutuar lá em cima. Eu já esqueci os nomes que lhes dei outrora, enquanto absorvia as palavras vermelhas do poema. Leio-o agora, na esperança de te ver nascer das suas linhas hiperbolicamente, por detrás do pêndulo da tua falta nestas mãos que não te agarram, como não me servem. Pego no telefone para tentar não ouvir o conta-gotas das ausências, e falo de ti às paredes do quarto. Baixinho, elas respondem-me com a tua voz, do outro lado: “Traz-me os teus caracóis ruivos. Devo-lhes algumas horas de contemplação.”

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